Começar de novo.
Uma das queixas comuns que constatamos após uma separação amorosa é a busca de outro parceiro. As verbalizações sempre recaem sobre os mesmos argumentos: “não consigo me apaixonar” ou “não encontro ninguém legal”. O tom é quase um lamento.
De outros ouvimos: “Vou ficar com essa pessoa mesmo. É melhor assim que sozinho”, tamanho o medo da solidão e do vazio que é experimentado. Colocam grande expectativa no relacionamento incipiente que logo termina.
Começamos a questionar o porquê da situação se tornar tão repetitiva. Acontece que no passado tudo era muito bem estabelecido: homens e mulheres conheciam-se, casavam-se e viviam felizes para sempre, ou melhor, viviam juntos para sempre, nem sempre felizes, mas era isso que se esperava deles, e havia as compensações sociais pela manutenção do casamento.
Os padrões de relacionamento, entretanto, foram questionados e rompidos. Hoje nos esforçamos por não mais nos submetermos aos desejos do outro – seja esse outro um cônjuge inadequado, a família ou a sociedade tradicional e repressora – passamos a exigir mais dos relacionamentos amorosos, e conceitos como casamento, fidelidade, monogamia entraram na ordem do dia.
Embora haja muita literatura técnica na área de saúde sobre os diferentes aspectos da convivência amorosa, quando nos deparamos na prática clínica com uma pessoa sob os efeitos dessa “síndrome”, encaramos um território novo e delicado, com inúmeras sutilezas e matizes intercambiáveis, o que significa dizer que um relacionamento amoroso nunca será como o anterior.
Obviamente as pessoas sabem disso. Entretanto, um dos sintomas da síndrome é justamente esperar uma repetição ou tentar reparar algo do antigo relacionamento. E fazem isso reproduzindo os mesmos erros do passado. Ou então, na tentativa de mudar radicalmente seu modo de relacionar-se, o novo parceiro corre o risco de ser transformado em bode expiatório.
É difícil começar de novo, e a demora em aprender e criar os novos modos de funcionamento em parceria apenas faz com que a síndrome ganhe mais força. O resultado é baixa autoestima, sensação de inadequação e ansiedade para ficar com alguém “a qualquer custo”. Torna-se essencial reaprendizado relacional que inclua aprendizagem afetiva. Sobretudo valores sociais anacrônicos precisam ser abandonados, mas isso só será possível conseguindo rever as maneiras de se comunicar, de se relacionar e de compartilhar ações.
Uma das queixas mais constantes tanto num bate papo informal quanto num processo terapêutico referente às dificuldades de relacionamento é a comunicação homem-mulher. Elas não se dão sem conflitos e, graças à inadequação no modo de enviar e captar mensagens, vez por outra os casais se envolvem em embates que dificultam ou inviabilizam a continuação do convívio.
A questão é muito complexa, mas refletir e buscar saídas tem sido uma experiência viável. A psicoterapia possibilita o reencontro das pessoas consigo próprias, adquirindo melhor autoconhecimento e maior disponibilidade para a interação em condições iguais. A proposta de aprender a cuidar de si mesmo – sem anular o outro para isso – e a cuidar da relação – sem sufocar a autonomia alheia – precisa ser conquistada paulatina e suavemente.
Se fosse possível olhar por um filtro especial o momento em que duas pessoas potencialmente enamoráveis se encontram pela primeira vez, veríamos que elas estabelecem entre si o nível mais primário de comunicação – e parece, para quem olha de fora, que naquele lugar criado por eles não cabe mais ninguém, eles se completam.
Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp
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