Chegou e já foi embora

Sempre existiram conflitos de gerações. Existem relatos de cinco mil anos atrás. Quem está no poder, seja ele familiar, econômico, político ou social, não vai querer abrir mão da posição que ocupa em prol de algo novo ou alguma novidade, mesmo que ela venha para melhorar a vida das pessoas. Isto leva frequentemente a uma nostalgia nem sempre saudável. Por não entender as mudanças ou simplesmente por não conseguir acompanhá-las, alguns sentirão saudades de momentos comuns que, idealizados, transformam-se em algo maior do que realmente foram. 

Para piorar, as gerações encurtaram. Antes, as gerações duravam 25, 30 ou mais anos. Agora, são de dez em dez anos. Complica mais ainda o conflito geracional o fato de várias gerações conviverem no mesmo espaço, seja ele familiar, de trabalho ou de lazer. Foi o que vi na semana retrasada quando surgiu a onda 'cringe'.

Bom, se você não sabe o que é isso então provavelmente você é um cringe. Este é um termo criado pela chamada 'geração Z', os nascidos depois do ano 2000 e que só conheceram o mundo digital. Embora esteja ocorrendo um pequeno deslize gramatical, pois em inglês cringe é um verbo e está sendo usado como adjetivo que significa vergonhoso, vergonha alheia ou 'mico', o uso prevaleceu sobre a regra. Este termo, por incrível que possa parecer, é mais usado para designar a geração anterior à deles, a chamada 'geração Y' ou 'millenials', nascidos entre os anos 1980 e 2000, que reagiram a esta classificação. 

Ser cringe equivale a ser brega, cafona, ultrapassado. É aquele que foi fã de Harry Potter, tem um CD do Rouge ou se emocionou com alguma princesa Disney. No mundo virtual, usar emojis nas conversas e escrever 'rsrsrsrsrs' ou 'hahahaha' também é cringe. A febre do cringe foi intensa.

Em poucos dias, os vídeos sobre o assunto atingiram mais de seis bilhões de visualizações. O mundo da propaganda já correu atrás da oportunidade. Poupança é cringe? Cupom de desconto não é cringe! Tudo começou a receber uma classificação se era cringe ou não. Em poucos dias, o debate chegou à exaustão. Já é cringe falar de coisas cringes. O povo já enjoou do assunto. 

É o velho conflito de gerações mudando de embalagem e voltando como tendência. Sempre foi assim. É curioso o embate entre os muito jovens e os jovens adultos. Os que classificam os outros como cringes, em pouco tempo também se tornarão cringes. Mas a classificação é tão abrangente que atinge as gerações anteriores. No fim das contas, os críticos acabam se transformando naquilo que sempre criticaram. Esta é uma frase cringe... 

Se você leu este artigo sobre os cringes, você também é cringe. Eu, por coincidência, estava ouvindo um disco do Belchior e tocou a música 'Como nossos pais'. Não consigo nem imaginar qual é a minha classificação!

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.