Chegou a vez da música

Fiquei pasmo quando assisti ao lançamento de um programa de computador que imita perfeitamente qualquer cantor ou banda. Funciona assim: você alimenta o software com todas as músicas do cantor. Ele reconhecerá inúmeros parâmetros da personalidade vocal do artista estudado. Estabelecerá quais as características do timbre de voz e ressonância do aparelho fonador, da emissão vocal de vogais e fonemas, padrão respiratório, afinação, etc.

Depois, é possível você fornecer uma música e pedir para que o programa reproduza a canção como se fosse o cantor interpretando, do mesmo jeito, com os mesmos cacoetes e com a mesmíssima voz. Quem testou, disse que se não informado, um ouvinte acreditará que é o artista escolhido quem cantou de verdade aquela música. 

É claro que muitos fãs adorariam ter um pouco mais dos cantores que se foram precocemente ou que deixaram um legado forte no cenário musical. Já pensou ter de volta todos eles com novas canções e novos discos? As possibilidades seriam praticamente infinitas. 

Mas, e sempre tem um mas... o ser humano dará conta de estragar tudo. Colocará o Mário Reis, um dos maiores cantores da era dos vozeirões, cantando funk. Elis Regina cantando Anitta. Emilio Santiago cantando sertanejo universitário. O Bee Gees tocando samba. Frank Sinatra cantando em russo. Charles Aznavour cantando heavy metal. Viraria uma bagunça. Como sempre acontece, os desinformados que não conhecessem a obra do cantor pensariam que ele gravou originalmente aquela música que não tem nada a ver com sua obra e sua vida. 

Outro desdobramento seria com os herdeiros do artista. Parte dos herdeiros se recusaria a macular a obra do cantor. Encararia como ultraje a tentativa de alterar o seu legado. No entanto, outra parte, certamente movida por interesses financeiros, veria com bons olhos a possibilidade de ganhar alguns trocados com a iniciativa. Surgiria também uma nova forma de pirataria. Sem autorização de herdeiros, independente dos mesmos serem contra ou a favor de novas interpretações, a turma da 25 gravaria do mesmo jeito e com certeza venderia aos montes toda sorte de coletâneas e álbuns dos falecidos. E o que dizer dos cantores vivos? Se podem fazer com os mortos, por que não fazer com os que andam por aqui ainda? 

E o que dizer de colocar os cantores para regravar as próprias canções, mas com uma qualidade melhor? Tem muitos cantores das antigas que se beneficiariam de recursos tecnológicos melhores e de toda a parafernália eletrônica que existe num estúdio de gravação moderno. Está dando o que falar entre os amantes da música. 

Já soube que existem programas de literatura que também escrevem textos como se fossem de algum autor falecido. Diz a crítica que ainda não está 100%. Questão de tempo. Chegará a vez deles! 

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.