Caro Diário
O silêncio é um espaço que faz surgir um sentido a saber: na pausa, no intervalo, nas reticências. Silêncio sentido que se revela e diz respeito a um contexto que atualiza a história anunciada, um discurso do inconsciente.
Quando não sabemos expressar com palavras, e o que sentimos é intraduzível, o silêncio é um meio potente para adentrar o desconhecido que saboreia e dá espaço ao nosso “eu” de maneira profunda, incerta, que nos coloca diante da impotência de nossa própria sobrevivência.
O silêncio na sessão de análise é pedra angular, às vezes visto com dificuldade, mas altamente significativo à medida que criamos espaço para deixar vir o que até então não encontrou espaço e quem sabe a palavra, que corresponde a uma reflexão e a um turbilhão de pensamentos que pulsam dentro.
Aquilo que fala através do silêncio vem desta experiência, e irá sobreviver à medida que pudermos nos escutar, experenciando e dando voz aos nossos silêncios internos.
Silêncio crônico, efêmero, de resistência, abertura, que dentre as manifestações humanas continuam a ser aquele que de maneira pura exprime, e assusta porque dá vazão a uma escuta que nem mesmo nós podemos dizer de onde vem, ainda é desconhecido.
E como diz a afirmação lacaniana: “O inconsciente é estruturado como uma linguagem e não significa em absoluto que seja feito de palavras ou sons. Não é uma língua, ainda que nasça por meio dela. Ele toma todo o valor de silêncio e não é simplesmente negativo, mas vale como além da palavra.
O silêncio representa uma ausência de verbalização, contudo, paradoxalmente, carregado de presença e significado que tem muito a dizer, e oferece uma rica trama que está à espera para ser desvendado.
Música “Caro Diário: Medici” com Nicola Piovani.
Silêncio
É tão vasto o silêncio da noite na montanha.
É tão despovoado.
Tenta-se em vão trabalhar para não o ouvir,
pensa depressa para disfarçá-lo.
Clarice Lispector
Foto do acervo @claudiazogheib
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