Carne e Osso

“Saiba quem agride a minha lira

Quanto mais ferida, mais diz o que sente.”

TAIGUARA

Taiguara Chalar da Silva foi um compositor, pianista, arranjador e cantor brasileiro. O artista mais censurado e perseguido durante a ditadura militar. (1945-1996)

 

Certa vez, conversando com os filhos do inesquecível cantor, compositor e músico Taiguara, refletíamos o quanto o artista, morto em 1996 após anos de luta contra o câncer, estaria indignado com os últimos anos de sufocamento da cultura brasileira, que somente agora consegue respirar ares de novos tempos.

O mais censurado e perseguido artista durante a ditadura militar, Taiguara foi ferozmente atacado e afrontado pois sua lira não se calava. Ao contrário de outros artistas censurados que acabaram se adequando aos tempos difíceis e continuaram a trabalhar com insinuações e sutis críticas ao regime militar, mantendo seu público e produção artística, Taiguara não se curvou e foi constantemente violentado em sua arte tão verdadeira e pulsante!

Com a proibição de venda do seu álbum “Imyra, Tayra, Ipy”, de 1976, que foi retirado das lojas após a censura vetar o disco, Taiguara entrou num processo de tristeza e solidão, morando fora do Brasil para voltar anos depois. Suas músicas já não tocavam mais nas rádios, TVs e seus discos desapareceram das lojas. Gravou mais dois LPs, sem sucesso, embora mantivessem a viva voz da indignação e desejo de liberdade!

Hoje, os filhos estão num trabalho árduo de resgatar a obra maravilhosa do músico.

O que tem a ver com nossa realidade hoje? Estamos muito longe da grandeza e importância de Taiguara, no entanto, nos sentimos muitas vezes com essa sensação de veto na cultura, quando após programar três dias de Jornada Teatral para crianças e jovens, nos vemos compelidos a cancelar o evento agendado para o Teatro Municipal porque, entre outras questões, tivemos que ceder um dia e um horário da programação para que outras atividades, não-artísticas, aconteçam num espaço que é voltado às artes. Ou pelo menos deveria ser.

Além disso, as escolas têm dificuldade de levar seus alunos ao teatro por falta de transporte, como também a logística ficou prejudicada pois um horário da manhã foi destinado a outra atividade e as escolas não podem levar ao teatro apenas as turmas da tarde e deixar os da manhã de fora. Ou todos assistem ou ninguém comparece. Justo! Também pensamos assim. Teatro é para todos.

E o detalhe é que toda programação é gratuita!

Para completar, falta parceria. A falta de visão pública para a importância de um evento que é raro no Brasil e acontece em vários países. Catanduva é uma das poucas cidades do mundo que comemora o Dia Mundial do Teatro para a Infância e Juventude, no dia 20 de março. A data foi criada pela ASSITEJ – Associação Internacional de Teatro para a Infância e Juventude que tem sede no Canadá, na França e outros países europeus.

Mas, parafraseando Taiguara em sua potente canção “Carne e Osso”, quanto mais ferida, mais nossa lira diz o que sente. Sim, porque somos de carne e osso. E temos alma!

Não vamos levar as crianças ao teatro, como diz o lema da ASSITEJ. Porém, levaremos teatro aos pequenos da Associação Lar da Criança Lola Zancaner, lembrando que Dia 20 de Março é o dia do Teatro criado exclusivamente para elas.

Não estamos comparando com o que Taiguara passou, nem com a ditadura militar que, felizmente, se foi e não deve voltar. Contudo, há analogias, sim! Cercear a possibilidade de cultura e arte, não importa de que forma, por outros interesses, é fechar portas ao artista. E isso não é justo. Principalmente com a Cia. da Casa Amarela que, há 29 anos, leva o nome de Catanduva com profissionalismo e qualidade a todo o país e no exterior. Pena.

Autor

Drika Vieira e Carlinhos Rodrigues
Atores profissionais, dramaturgos, diretores, produtores de teatro e audiovisual, criadores da Cia da Casa Amarela e articulistas de O Regional.