Barulho doentio e silêncio sanado

Há muito barulho no mundo. Basta colocar os pés em uma avenida em horário de pico, por exemplo, para se perceber a intensa cacofonia que chega aos ouvidos. Falatório misturado a sirenes, buzinas e alto-falantes. Falatório misturado a roncos de motores, barulhos de escapamentos e aparelhos de rádio tocando cada qual, a poucos metros de distância um do outro, gêneros musicais no mínimo irreconciliáveis. Falatório misturado aos tambores de centenas e de milhares de passos de seres humanos andando sem rumo, ruminando pensamentos e sentimentos que talvez nunca serão digeridos e dirigidos a um caminho certo -- harmônico. “Tiro, porrada e bomba” aqui, ali, aí, lá e acolá.

Há muito barulho em casa. Basta tirar os pés da cama e colocá-los em algum cômodo central, por exemplo, para se perceber a intensa dissonância que chega aos ouvidos. Falatório misturado a televisões simultaneamente ligadas no programa da Ana Maria Braga, em algum jogo de futebol da série B, na programação religiosamente estridente da igreja tanto-faz-qual. Falatório misturado a aparelhos celulares funcionando como plataformas de streaming, como videogames, como salas-de-aula virtuais. Falatório misturado ao bip da geladeira aberta, ao alarme disparado do carro na garagem, ao tufão sibilante da máquina de lavar.

Há muito barulho em você. Basta parar de prestar atenção aos barulhos do mundo e da casa, de qualquer lugar aonde você esteja agora, e prestar atenção aquilo que sua mente produz como reação aos barulhos do mundo e da casa, de qualquer lugar aonde você coloque os pés. Boa parte do nosso desnorteamento interior, das nossas confusões intelectuais e sentimentais, são apenas e tão somente a expressão do barulho mundano, principalmente do falatório mundano. Por falatório, entenda-se o uso da palavra de maneira infrutífera, tola, ignorante, desmotivada, automática, massificada etc. O falatório do mundo e da casa, e de qualquer outro lugar, somados aos barulhos do mundo e da casa, e de qualquer outro lugar, produzem em nós muito barulho individual.

Já percebeu que você pensa e sente pouco sobre si, seu interior, e pensa e sente muito sobre todo o resto, seu exterior, de modo que pouquíssimo tempo e pouquíssima atenção você dedica às dissonâncias do seu eu, dissonâncias das quais (permita-me a hipérbole) 99,9% provêm da agitação mundana?

Permita-me também este conselho, “o conselho de milhões”, que não é meu; trata-se de um conselho de Blaise Pascal, que nos vem em forma de afirmação categórica: “Todos os problemas da humanidade decorrem da incapacidade de o homem ficar tranquilamente sentado sozinho no seu quarto.”

Silêncio, teu nome é remédio!

Autor

Dayher Giménez
Advogado e Professor