Autismo

A construção do autismo para a psicanálise remonta ao século XIX onde não havia condições para conceber onde o autista se encontrava. Foi a história de Victor de Aveyron que deu voz às psicoses infantis, classe à qual originalmente o autismo era identificado.

Victor, um adolescente não oralizado e aparentemente surdo foi encontrado por caçadores nas florestas do Sul da França em 1798 sendo tratado por Jean-Marc-Gaspard Itard. Sua história é importante na reconstrução de um percurso histórico pois por meio da humanização em trata-lo se revelou a existência de uma possibilidade no tratamento contínuo que construiu a partir dali um novo objeto de estudo, abrindo espaço para a psicanálise adentrar na reflexão.

Kanner e Asperger publicaram suas primeiras descobertas transformando a abordagem, e apesar da semelhança descrita por ambos, no quadro descrito por Asperger não havia evidências de prejuízo significativo na área da cognição.

Atualmente conhecido como transtorno do espectro autista, TEA, trata-se de uma síndrome que faz parte de um grupo de desordens do cérebro chamado de transtorno invasivo do desenvolvimento, TID, também conhecido como transtorno global do desenvolvimento, TGD, e geralmente vem acompanhado de deficiência intelectual. Os autistas têm dificuldades de linguagem, socialização e possuem comportamentos repetitivos e restritos.

Melanie Klein foi uma importante psicanalista que se destacou como pioneira no tratamento psicanalítico das psicoses infantis tendo publicado em 1930 o caso Dick que falava de um garoto de quatro anos cujas características indicavam o diagnóstico de esquizofrenia infantil que hoje corresponderiam a um quadro de autismo. Ela explicava o autismo levando em conta a inibição do desenvolvimento que seria de origem constitucional a qual, em combinação com as defesas primitivas excessivas do ego resultaria no quadro representado por uma fragmentação do ego precoce sendo capaz de gerar uma desorganização dos processos adaptativos e integrativos fazendo com que a criança falhasse ao tentar superar a posição esquizoparanóide.

Já Donald Meltzer dizia que uma característica fundamental do autismo seria a fragmentação do funcionamento psíquico. Ele acreditava que o processo que gera o que chamou de desorganização da vida mental do autista ocorria devido a um desmantelamento por meio do qual as experiências vivenciadas pelo sujeito se tornavam descontínuas.

Nessa trajetória de psicanalistas estão também Frances Tustin que, assim como Margaret Mahler acreditavam que no início de vida todo bebê passa por uma fase autística normal, e juntamente com Alfred Bion, foram importantes neste percurso propondo o conceito de objeto autístico o qual é tido como enfoque em muitas discussões sobre o autismo e corresponde a um objeto em que a criança tem grande apego a algo que cumpre a função de tamponar um buraco negro, uma cápsula protetora na qual o autista se fecha sendo um mecanismo de defesa contra uma angústia arcaica de aniquilação.

Na interface entre psicanálise e autismo a necessidade de considerar a experiência do próprio autista reafirmam a necessidade de recolocar em cena a dimensão da singularidade possibilitando uma escuta daqueles apontados como incapazes de dizer, mas que demonstram o seu modo de ser nos permitindo entende-los através de outros meios.

A aposta da psicanálise reside na intervenção que respeita a forma do autista ser e estar no mundo, buscando uma aproximação delicada e não invasiva. São indivíduos que devem ser incluídos na medida de cada um respeitando suas individualidades.

Música “Valsa de uma Cidade” com Caetano Veloso.

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br | Foto: Edgar Maluf @edgar.maluf ©