As pessoas que ficam
Quantos rostos diferentes já passaram diante dos nossos olhos? Quantas faces até hoje, até agora a pouco, foram visualizadas por nossas retinas e guardadas ou descartadas pela memória? Provavelmente, milhares. Milhares de indivíduos já foram o foco da nossa visão.
Dentre tantos, muitos ficaram por muito mais tempo que a olhada fugaz durante uma caminhada no centro da cidade, um passeio de carro, uma ida ao supermercado, um serviço religioso, uma visita ao hospital, etc. Muitos conviveram semanas, meses e anos conosco: na família, na vizinhança, no trabalho, na escola, etc. Muitos compartilharam conosco suas rotinas, seus afazeres, suas idas-e-vindas existenciais. Muitos, até, foram íntimos da nossa vida particular, conhecendo nossos atinos e desatinos.
Porém, faça aí as devidas contas, foram poucos os que ficaram. O passar do tempo vai filtrando as pessoas, vai afunilando as quantidades para manter as qualidades. Os grupos, em geral, sobretudo os de amigos, começam grandes (como nos cursos universitários mais árduos) e, conforme o tic-tac monótono do relógio e a fúria giratória do calendário, ficam pequenos, reduzidos a um núcleo que efetivamente leva as coisas a sério. A entropia faz questão de esmerilhar aparências objetivas até deixar apenas as essências subjetivas: quem é, fica; quem não é, sai. Conforme as expectativas vão mudando paralelamente aos interesses originais de quem esteve de alguma forma conosco, as companhias mudam.
Por isto, ensina a sabedoria popular: “de amigos de verdade você não enche os dedos duma mão”. E na categoria genérica de “amigos” entram também os relacionamentos familiares e amorosos, todos os relacionamentos, reduzindo ainda mais o número de pessoas com as quais podemos efetivamente contar. E só podemos contar, aliás, se podemos contá-las: é fulano, é beltrana, é ciclano... No íntimo, todos sabemos quem é de verdade e quem é de mentira. No âmago, todos fazemos essas contas relacionais.
Qual o saldo disto tudo, desta aritmética de vivências e convivências? A suma, o sumo, é que importam (no sentido perene, permanente) apenas as pessoas que ficam.
São as pessoas que ficam que nos ajudam na árdua tarefa da auto-[re]construção. Se somos obras em andamento, e somos obras em andamento, é necessário dar grande valor a estes verdadeiros “operários do amor” que escolhem estar conosco na edificação, que é mútua, do nosso ser.
Está escrito na Bíblia Sagrada, o livro supremo: “É melhor ter companhia do que estar sozinho, porque maior é a recompensa do trabalho de duas pessoas. Se um cair, o amigo pode ajudá-lo a levantar-se. Mas pobre do homem que cai e não tem quem o ajude a levantar-se! E se dois dormirem juntos, vão manter-se aquecidos. Como, porém, manter-se aquecido sozinho?” (Eclesiastes 4:9-11).
Dê o devido valor às pessoas que ficam.
Autor