As mortes que salvam vidas

Quando uma pessoa pensa em acabar com o próprio corpo, muitas vezes o que ela deseja, no fundo, é acabar com a dor. Não é a vida em si que se tornou insuportável, mas sim o sofrimento que parece não ter fim. O corpo passa a ser visto como o “inimigo” porque nele habita a angústia, quando na verdade o que precisa morrer são as prisões invisíveis que sufocam a alma.

Na maior parte dos casos, o que se pede é alívio, acolhimento e compreensão. É como se o coração gritasse em silêncio: “não quero morrer, quero parar de sofrer”. Talvez seja essa a chave para enxergar a questão por outro ângulo — o de que algumas mortes simbólicas podem nos salvar de uma morte real.

Existem mortes que não destroem a vida, mas a renovam. Entre elas estão:

A morte da imagem projetada na sociedade, que nos exige máscaras e personagens.

A morte das ilusões, que nos afastam da realidade possível e nos aprisionam em fantasias.

A morte dos preconceitos, que nos separam de nós mesmos e dos outros.

A morte das idealizações, que alimentam frustrações.

A morte do perfeccionismo, que cobra o impossível e nos impede de ser humanos.

A morte do orgulho ferido, que fecha portas para o diálogo e para o perdão.

A morte do egoísmo e da vaidade, que tornam a vida estreita e solitária.

A morte das exigências descabíveis, que nos esmagam com pesos que ninguém conseguiria carregar.

Quando esses pesos simbólicos morrem, abre-se espaço para um renascimento interior. Não é o corpo que precisa desaparecer, mas sim o fardo das expectativas irreais, dos julgamentos e da autocrítica cruel.

Ao permitir que essas mortes aconteçam, nasce uma vida mais verdadeira, menos rígida e mais compassiva. Uma vida em que se pode errar, recomeçar, pedir ajuda e aprender a conviver com as imperfeições. Uma vida onde o essencial não está em corresponder às aparências, mas em encontrar sentido no amor, no serviço, na fé e na esperança.

Por isso, diante de alguém em sofrimento profundo, é essencial não julgar, não minimizar, mas acolher. Cada tentativa de suicídio é, na verdade, um grito de vida, um pedido desesperado para que a dor acabe. Nosso papel como sociedade é ajudar a matar a dor — não a pessoa.

Que possamos aprender a cuidar mais uns dos outros, permitindo que morram apenas aquilo que oprime, e que nasça, em cada um, a possibilidade de viver de forma mais leve, digna e verdadeira.

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp