As crianças, seus pais e educadores
De qual criança estamos falando quando projetamos nossos desejos e frustrações naquelas que estão aos nossos cuidados e que de certa forma exercemos alguma ascendência ou temos convivência - filhos, alunos, sobrinhos, netos, filhos de amigos.
Desde o primeiro momento em que os filhos nascem, os pais desejam tantas coisas, vezes sem perceber o quanto projetam suas carências, decepções e expectativas neles, creditando a eles seus resultados e suas frustrações. Enquanto o nosso desejo for a projeção de expectativas que colocamos neles, estaremos de maneira equivocada planejando a vida deles com base em nossas frustrações.
O desejo é sempre formulado pelas marcas que trazemos, e sendo algo que se atualiza nas vivências cotidianas, será sempre um condensado de tudo o que vivemos e de como estamos no momento em que os educamos.
É no encontro com a própria subjetividade que entendemos de onde vem as expectativas que colocamos neles, e vai depender do quanto a partir desta equação, entendemos as relações, projeções e introjeções que estabelecemos enquanto educamos eles.
Diminuir as expectativas é o melhor mantra, mesmo quando oferecemos um ambiente disponível para que eles possam ser despertados pelas coisas que mais lhes interessam, a partir da criatividade e capacidade de conviver desde cedo com acertos e erros que os ensinam a pensar sobre tudo o que lhes acontece. É um divisor de águas que nos ajuda a entender a nós mesmos, e enquanto adultos que desejam seus filhos, devemos oferecer um ambiente seguro para que eles consigam se desenvolver com afeto e renuncias, criatividade e respeito.
É comum escutarmos – meu filho vai ser médico, etc., e esquecemos que o nosso lugar deveria ser de oportunizar experiências que potencializem suas escolhas no sentido de que, enquanto eles crescem, o nosso papel será ajudá-los a ir traduzindo o mundo deles para eles mesmos, entendendo que as frustrações, acertos, tristezas e alegrias, à medida que entendemos o quanto somos limitados para abstrair o mundo deles, o que nos cabe é estar ao lado e apoiar, entendendo e proporcionando experiências que os ajudem a se desenvolver num mundo sem modismos, sem desconsiderar as pessoas, sem cisões, com respeito e sem frações, sem preconceito, entendendo o quanto as diferenças nos faz mais humanos e individuais.
As crianças irão entender o mundo a partir do olhar de quem os educa, e mais do que qualquer escolha, é importante que eles desejem por eles mesmos, entendendo suas angústias, podendo acessá-las para então aprender com suas experiências, sem os excessos do consumismo que enfraquece a subjetividade e os coloca a serviço de algo que quer lhes tirar o melhor deles - a criatividade e a oportunidade deles serem eles.
O desenvolvimento das crianças se dá numa dinâmica auto biográfica onde a receptividade dos pais, familiares e educadores será um grande organizador de memórias para que eles consigam crescer e se desenvolver, e se projetamos neles as nossas faltas, perdemos a oportunidade deles escreverem suas histórias, fazendo-os ficar a serviço do que não conseguimos atingir para nós mesmos.
Criança precisa de adultos que já realizaram a travessia do próprio ego e que estejam empenhados nesta conquista. Eles precisam de coerência, de brincadeiras criativas, de contato com a natureza, de crianças por perto, de animais, arte, teatro, esporte, música, instrumentos, tintas coloridas, argila, natureza, pôr do sol.
Isto é o melhor que podemos dar a eles. Do contrário, é a nossa criança interior que irá gritar junto a eles pedindo para ser olhada e cuidada.
Música “Ainda bem” com Vanessa Da Mata.
Foto do acervo @zogheibclaudia
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