Ariano e Michael

Em uma de suas palestras, Ariano Suassuna, sempre maniqueísta e exagerado (mas nem por isso equivocado no mérito da questão: no caso, a servil e viralatesca bajulação brasileira da rasidão cultural do establishment norte-americano), disse que Michael Jackson não era confiável porque “era negro e quis virar branco.”

Quantas pessoas, na zoada do humor, já não disseram mais ou menos a mesma coisa tantas e infinitas vezes durante toda a década de 90 e nos anos 2000, principalmente? Recordo-me bem de ter lido, visto e ouvido esse lugar-comum da retórica nacional (o abranquelamento do Rei do Pop) em blogs cults, no extinto Orkut, nas páginas amarelas da Veja, nos programas do Gugu, do Faustão e do Ratinho, em piada de boteco de esquina e até em boca de senador da república… Michael Jackson morreu em 2009 e em 2009 mesmo a lenda acabou: a autópsia e uma centena de laudos e exames médicos anteriores (mas só então divulgados) provaram que Michael, de fato, tinha vitiligo o mais severo, a ponto de que usar medicação branqueadora era sua única solução viável para não se parecer com um dálmata humano.

Mas Ariano, como todo mundo (eu, inclusive), achava que Michael queria ser ariano, que ele queria à força dos sentimentos profundos dos seus (existentes) complexos de inferioridade atingir a estética dum dolicocéfalo caucasiano de pele alva… A realidade esbofeteou a mitologia midiática. Ocorre que Ariano é um dos meus mestres no que diz respeito ao Brasil e eu bebo sua poesia e sua prosa como se fosse hidromel. Ocorre também que as músicas do The Jackson 5 embalam alguns dos meus dias mais descontraídos e que eu dancei Thriller com a namoradinha da 8ª série. Ocorre que eu gosto dos dois, como exemplares admiráveis da raça humana.

Alguma contradição? Nenhuma. Só quis com esse relato demonstrar o óbvio: na vida, vamos ter familiares, amigos, colegas, parentes e conhecidos que, sabendo ou não um do outro, vão ser inimigos/adversários/antagonistas na personalidade ou nos valores ou no sabe-se-lá-o-que. O fato é que temos atenções, intenções e tensões a administrar ao nosso redor, na teia de caranguejeira que une todos a todos. Todo mundo erra. Todo mundo erra e não erra pouco, para não dizer logo de uma vez que erra muito. O mundo erra. É isto!

A gente erra e vê bem que esses erros se degraduam de um pólo a outro, que vai do equívoco de comprar a fofoca ou a versão com mais adesões no momento à má intenção dolosa com sua maldade tão ferina quanto deliberada. O que fazer? Ariano sabia de Michael, Michael provavelmente não sabia de Ariano e eu sabia dos dois sem que os dois soubessem de mim. Ah! E Ariano morreu 5 anos depois, em 2014, sem muito provavelmente saber da autópsia e dos documentos todos que citei no começo desse papo semi-furado. Se eu conhecesse a ambos e eles fossem meus amigos e eu soubesse de fato as realidades particulares de cada um, sabe o que eu faria? Tratava de fazê-los amigos entre si. Talvez o Quinteto Armorial um dia desse a cor da rabeca às notas de “Enjoy Yourself” (e Ariano adorasse) e o moonwalk -- aquele passinho flutuante e retilíneo, tá ligado? -- se estremecesse com os passos dum baião digno de Luiz Gonzaga! (e Michael amasse).

A lição é: una as pessoas. Faça a paz fazendo as pazes. Seja uma ponte comprida e prazerosa entre os gregos e os troianos que estão nos lados opostos do mesmo rio. Jesus Cristo mesmo disse: “Bem-aventurados os pacificadores!”. Não passe conversas adiante, não estimule a discórdia, não semeie contendas. Chega de guerra.

Autor

Dayher Giménez
Advogado e Professor