Área Azul e o direito dos idosos e portadores de necessidades especiais

Na edição desta última quarta-feira do jornal “O Regional”, estampou a manchete de primeira página “Idosos não têm isenção em todas as vagas, diz prefeitura”. A matéria é abordada na página 3, na qual a prefeitura entende que a lei 5.547/2014, de autoria do Dr. José Alfredo Luiz Jorge, garante a isenção da tarifa da área azul para os veículos de idosos e portadores de necessidades especiais, desde que estacionados nas vagas exclusivas destinadas a eles, não contemplando essa isenção quando estacionados nas áreas comuns. E complementa o jurídico da municipalidade que “...as hipóteses de isenção do pagamento da tarifa estão exclusivamente previstas no artigo 7º, § 1º da Lei Complementar nº 1089/2023 que instituiu o sistema rotativo denominado “Área Azul”(sic). Como idoso (de acordo com a letra da lei) e operador do direito, principalmente na área do Direito Tributário, este colunista, longe de fazer qualquer juízo de valor, pretende abordar alguns aspectos que, talvez desapercebidos, merecem uma melhor reflexão. Diz o artigo 7º, § 1º da LC 1089/23: “Art. 7°. Estão isentos do pagamento da taxa de estacionamento na área delimitada como "Área Azul", veículos oficiais da União, Estados e Municípios, bem como suas autarquias, os veículos de transporte de passageiros (taxi) e os de carga, quando estacionados em seus respectivos "pontos", os veículos de transporte coletivo (ónibus e similares). quando em seus "pontos de parada", os veículos de concessionárias de serviços públicos. quando no desempenho das funções compatíveis. § 1º Os benefícios previstos no caput deste artigo são concedidos também: I - aos condutores de veículos automotores de transporte individual, durante os 10 (dez) primeiros minutos de utilização do serviço, tempo de tolerância necessário a adquirir e/ou renovar o estacionamento rotativo ou ainda praticar pequenas paradas; II - as pessoas idosas e com deficiência, nas vagas demarcadas...” Pela redação do § 1º, inciso II,  a isenção da tarifa contempla somente os veículos dessa categoria devidamente identificados com cartões de idoso ou deficiente estacionados nas vagas exclusivas a eles destinadas. Por sua vez, assim reza a lei 5.547/2014, de autoria do Dr. José Alfredo: “Art. 1º Fica assegurado às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, bem como às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, a utilização de vagas nos estacionamentos públicos e privados existentes no Município de Catanduva, Estado de São Paulo, independente das já reservadas. Parágrafo único. Para efeito de fiscalização, os veículos quando estacionados deverão exibir a credencial emitida pelo órgão ou entidade executiva de trânsito do Município de seu domicílio sobre o painel do veículo, ou em local visível, sob pena de autuação por infração de trânsito e suas consequências. Art. 2º As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão a conta de dotação orçamentária vigente, suplementada se necessário.” Malgrado a falta de clareza nessa norma legal, fato é que certamente o espírito do legislador foi isentar de qualquer tarifa o estacionamento dos veículos dos idosos e portadores de deficiência em qualquer ponto da cidade, independente das vagas a eles reservadas, sem perder qualquer benefício. Não fosse assim não teria nenhum sentido aprovar uma lei simplesmente para autorizar idosos e portadores de deficiência estacionar fora das áreas exclusivas, até porque ninguém precisa de autorização para esse fim. Quem direito tem, direito não pede, exerce-o. A via pública como o próprio nome diz é pública e é para ser utilizada para o tráfego de veículos e estacionamento destes nos locais permitidos, é claro. Esse é um conceito por assim dizer universal. Como se vê, temos uma lei complementar que dispõe que a isenção da tarifa se aplica somente aos veículos estacionados nas vagas exclusivas e uma lei ordinária que, se interpretada à luz da vontade do legislador, estende essa isenção para os veículos de idosos e deficientes, ainda que estacionados fora das vagas exclusivas. Assim, do ponto de vista jurídico temos uma lei complementar de 2023, claramente dispondo que a isenção da tarifa contempla somente os veículos estacionados ocupando vagas exclusivas e uma lei ordinária de 2014 que, em tese, já ampliava deste então essa isenção para qualquer ponto da cidade onde o veículo do idoso ou deficiente venha a estacionar. Assim, do ponto de vista jurídico temos duas situações: a)- No nosso ordenamento jurídico as leis complementares vêm logo abaixo da Constituição, portanto acima da lei ordinária e, b)- Por outro lado, o artigo 1º da lei ordinária de autoria do então vereador José Alfredo não foi revogado, o que pressupõe estar vigente, malgrado a sua falta de clareza. Fato é que juridicamente a lei complementar se sobrepõe à lei ordinária e por essa ótica, a cobrança da tarifa de idosos e deficientes quando seus veículos estiverem estacionados fora da área exclusiva se mostra legal.  Entendimento jurídico à parte, fato é que limitar a isenção da tarifa somente quando o veículo estiver ocupando a vaga exclusiva não deixa de ser um contra senso, além de paradoxal, mesmo porque é tido e sabido que, não bastasse essas vagas serem bastante limitadas, principalmente na área central da cidade, elas   são normalmente ocupadas por pessoas inescrupulosas que não respeitam o direito dos idosos e tampouco dos deficientes, ante as vistas grossas do poder público que é quem deveria fiscalizar. De todo o modo, no conflito entre prefeitura e o cidadão, deve prevalecer a cidadania sobre a “estadania”. Nunca o contrário. Outro ponto que precisa ser analisado diz respeito ao direito dos cidadãos que pagam a tarifa da área azul. Mas, esse assunto que, certamente tende a render muito, será abordado no próximo artigo.

Autor

José Carlos Buch
É advogado e articulista de O Regional.