Aprendendo a perder

Um dia, sem mais nem menos, a gente se dá conta de que está há muito, mas muito tempo, zangado. Mas com o que mesmo? Não se sabe. Só restou aquele ar ou tristonho ou emburrado que todo mundo já se acostumou a achar que é o jeito dos adultos mesmo. Uma ruga de expressão, o corpo curvado para frente ou para trás e, de repente, tudo está muito mais opaco e sombrio. Poderíamos ficar enumerando infinitamente as formas de expressar essa zanga. Quando ainda é pequeno, em geral a mamãe diz para a gente: “Fulaninho, não fica aí zangado que passa...”. 

É bastante comum essa irritação estar associada a alguma experiência de perda: de um brinquedo que quebrou, de um amigo que mudou de cidade, de pessoas amadas que morrem, de uma discussão com alguém importante, de um amor, de um ideal, de uma ilusão. Quando se é jovem, o futuro é pura possibilidade, incluindo a possibilidade de ser. Conforme vamos amadurecendo, a realidade de nossas limitações e talentos se impõe. E nossa maior perda é da onipotência.  

Chamamos a possibilidade de elaborar as perdas de trabalho de luto. O próprio psiquismo trabalha neste sentido, tal qual nos sonhos. Mas a aceitação da realidade da perda é um processo complicado.  

O primeiro passo que se segue à experiência de perda é a negação. E muitos param por aí. Se por acaso eu me decepciono com meu cônjuge, posso usar como recurso as seguintes alegações: “Não estou nem aí, não gostava dele mesmo”. Afinal, nossa sociedade contemporânea funda-se praticamente na negação das perdas e dos vínculos. Visam apenas ao sucesso.  

Outro artifício paralelo à negação é a barganha. É possível, por exemplo, procurar substituir imediatamente uma relação por outra, ou comprar coisas, ou comer muito, enfim, colocar algo no lugar do que se foi para não ter de enfrentar o vazio. Mas, em geral, isso não funciona tão bem. Em geral, aí vem uma tempestade. Neste momento, na melhor das hipóteses, advém uma percepção mais realista da perda. Essa percepção acontece no nível interno, ou seja, é a percepção da realidade psíquica da perda. E só assim abre-se o espaço de liberdade necessário para uma ação reparadora. Só quando a perda acontece dentro de nós, podemos lidar com ela. 

À medida em que o luto pode ser elaborado, metabolizado, digerido, sofrido, um campo de ação maior se abre para o sujeito, tendo em vista a atividade reparadora gerada pela perda e a necessidade de manutenção do vínculo que pode ser com uma ideia, uma instituição, um traço de caráter. Vislumbra-se desta maneira uma abertura para o futuro, a partir de um passado repleto de experiências significativas. Como se diz, “confesso que vivi”. Este deveria ser um lema. E fica aqui como a proposta de possibilidade menos rancorosa, embora mais trabalhosa.  

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp