Apagamentos de cor e de nome

"A melhor notícia do ano", assim rotulada, mostrou não necessariamente um aumento da porcentagem de negros no Brasil (55,9% do total da população), mas sim um melhor autorreconhecimento da negritude. Nossa história é de apagamentos e o da cor da pele é um deles, o mais notório. Mas não somente: o meu nome é de ascendência espanhola que teve o sobrenome aportuguesado pelo cartório, duas gerações atrás. Além disso, de pele branca, meu cabelo ondulado traz um pouco da história de uma suposta bisavó "cabocla", de quem pouco se fala em família.

Outro dado estatístico permite calcular um fator de depreciação do consumo de negros. Se são 55,9% da população e são responsáveis por apenas 40% do consumo total, então um negro consome o equivalente a 72% de um não negro. Talvez seja um dado menos traumático do que os índices de encarceramento, pobreza e mortalidade violenta da população negra, mas mostra que mesmo o capitalismo selvagem tem seus limites racistas.

O apagamento de cor mais notório no meio literário foi o de Machado de Assis. Os 184 anos de seu nascimento foram lembrado em 21 de junho. Um aspecto importante em sua obra é a suposta omissão em relação à própria negritude. Há muito material ainda inédito escrito por Machado de Assis sob pseudônimos ou mesmo sem assinatura. Pesquisadores se debruçam sobre jornais e revistas de mais de um século atrás e revelam um Machado cada vez mais afiado.

Porém, ali não se apresenta um defensor explícito do antirracismo, diferente de Lima Barreto, que externou sua negritude e condição social, muitas vezes também sob pseudônimos para se proteger. A controvérsia é saudável para nos instigar a aprofundar a leitura desses mestres da literatura brasileira, mas muita dúvida permanece sobre o quanto cada um lidou com as mazelas de seu tempo.

 

Adilson Roberto Gonçalves

Pesquisador na Unesp-Rio Claro

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Artigos de colaboradores e leitores de O Regional.