Amar é dar o que não se tem

“O melhor caminho do amor conjugal é a amizade” – Aristóteles

A falta de lucidez de quem perde o chão por amor revela o quanto as relações amorosas nos conectam às nossas experiências desde o nascimento frente a situação de um amor ainda idealizado, numa transferência que cria uma região intermediária entre a doença e a vida real.

Sem subterfúgios, o amor desampara quando não é correspondido, deixando-nos sem entender porque algo tão forte e puro não pôde ser devolvido, afinal, estamos “dando tanto”.

Este desespero humano, provavelmente o mais velho do mundo, de não se sentir completo enquanto não se é correspondido, de ter dentro de si um objeto desejado que não encontra fora sua correspondência, e na melhor das hipóteses, a satisfação que os devaneios nos fazem crer, atualizam vivências perdidas de desamparo, uma falta de correspondência que vivenciamos desde a vida intrauterina.

O quanto é difícil corresponder a isto, o amor idealizado traz consigo algo impossível de ser encontrado, onde as vivências humanas ao longo de nossa vida transformam nossa percepção sobre nós mesmos, onde amar verdadeiramente é acreditar que enquanto se ama alguém, se alcança muitas verdades sobre si mesmo.

Não existe resposta única que defina o amor, podendo a partir de estar amando, ampliar a compreensão dos próprios sentimentos assim como o núcleo de onde eles estão conectados.

Para amar é necessário constatar a falta e sobretudo reconhecer que se tem necessidade do outro. Os que creem serem completos não sabem amar, e normalmente constatam isto dolorosamente, manipulando a fim de controlar seus próprios impulsos, mas do amor nada sabem, estando incapacitados para reconhecer os riscos e as compensações de estar com alguém.

Já com o ou a amante não há perigo de validar sua parte feminina: vive-se momentos e vai embora deixando sequelas para todos, sobretudo para os elos de ambos. Não há comprometimento neste sentimento que fragiliza a virilidade enquanto medo da castração, um emaranhado sem saída, deixando quem participa disto condenado a experenciar infinitamente este modo de viver que mais machuca do que deixa aprendizado. Vive permanentemente a procura de um outro para buscar a si numa corrida à frustração do afeto para não completar, para não achar, exatamente porque ainda não descobriu o próprio eixo a ponto de abrir espaço para o outro.

A psicanálise é uma experiência cuja fonte é o amor. Ela nos ensina através do contato subjetivo do que somos capazes e o que devemos procurar para ampliar nossa experiência emocional, deixando-nos aptos a reconhecer o quanto o contato com nós mesmos atualiza a dimensão do inconsciente sobre o consciente, a ponto de percebermos o outro como experiência subjetiva de nós mesmos.

Quem é indiferente ao outro não foi capaz de amar a si mesmo, e para tanto, a experiência subjetiva passa pelo crivo de que amar é não fazer estrago na vida dos outros.

E como dizia Freud: “Em última análise, precisamos amar para não adoecer”.

Música “The Right Thing to Do” com Carly Simon.

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br