Amamentando o Imperador Pedro II

Aproveitando toda a atenção que o bicentenário da Independência do Brasil teve esta semana, juntamente com todos os personagens históricos envolvidos no processo, em uma de minhas conversas histórias com interessados no assunto, comentei sobre a ama de leite de D. Pedro II, Maria Francisca de Jesus Carvalho, que foi enterrada próximo à cidade de Catanduva, no distrito de Ururaí, no qual trago um pouco dessa história na coluna de hoje.   

Ama de leite  

O leite humano sempre foi o alimento principal do cardápio de um bebê. Fonte essencial do cálcio necessário para o bom desenvolvimento dos ossos, era enfatizado pelos médicos do século XIX como “santo remédio” para vários males. Se a mãe de uma criança de classe mais elevada não tinha leite suficiente, ou não queria, ou não podia amamentar, era comum alugar ou comprar serviços de uma ama de leite, que seria muito melhor para a criança, já que essa medida adiava a introdução precoce de leite animal e dos mais variados tipos de papinhas, pois o organismo do recém-nascido não estava totalmente preparado para recebê-las. 

Até a abolição da escravatura no Brasil, em 1888, era comum muitas das amas serem escravas, que pertenciam à própria família ou que eram alugadas para tal. Infelizmente, a maioria era separada de seus filhos naturais, para que pudessem criar os bebês das senhoras brancas. Poucas tiveram a sorte de dividir o seu leite entre o próprio filho e o bebê que amamentavam. 

Porém, nem todas as amas de leite necessariamente eram escravas. Muitas mulheres brancas, livres, prestavam seus serviços às senhoras que por algum motivo não podiam amamentar. É o caso de Maria Francisca de Jesus Castilho, ama de leite de D. Pedro II, que foi sepultada no cemitério de Ururaí, distrito de Santa Adélia, local próximo de nossa cidade.  

A Capa Preta  

A história de Maria Francisca de Jesus Castilho em nosso país se deu quando, no início do século XIX, o Príncipe Regente do Império de Portugal, o futuro D. João VI veio para terras brasileiras fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte, acompanhado de diversas famílias portuguesas.  

Dentre as variadas famílias que para cá vieram, estava a família Castilho, mais precisamente, três irmãos: José Antonio de Castilho, Manoel Francisco de Castilho e Alexandre José de Castilho. 

Manoel Francisco de Castilho, que era casado com Maria Francisca de Jesus, tinha pedido a D. João VI permissão para se estabelecerem como fazendeiros na Província do Piaíu, pois desejavam iniciar uma criação de gado. 

Tendo sido concedida a permissão para a família, Manoel Francisco veio a falecer naquela localidade, o que determinou a vinda de Maria Francisca para o Rio de Janeiro, que acabou se tornando amiga de D. Leopoldina, a Imperatriz do Brasil. 

Vindo para o Rio de Janeiro, Maria Francisca já estava grávida de seu falecido marido, e quando deu à luz à José Francisco de Castilho, coincidiu ser na mesma época que D. Leopoldina também dera à luz a um menino, o futuro D. Pedro II. 

Porém, a Imperatriz não estava boa de saúde, estava magra, fraca, sem nenhuma possibilidade de amamentar seu filho recém-nascido. A doença foi se agravando ao longo do tempo e, quando Pedro estava com pouco mais de um ano, a Imperatriz veio a falecer. 

Diante da impossibilidade de amamentação por parte de Dona Leopoldina, Maria Francisca se prontificou a amamentar aquela criança, e o novo príncipe e José Francisco passaram a ser “irmãos de leite”. 

D. Pedro I, como forma de gratidão por aquele ato, presenteou Maria Francisca com um pedaço de terra, conhecida como sesmaria, que se estendia desde os sertões de Araraquara até a região do rio Tietê, praticamente entre os anos de 1826 a 1830. 

Segundo relatos de antigos moradores, Maria Francisca em pessoa, acompanhada dos filhos, deixaram a cidade do Rio de Janeiro e entraram sertão adentro, tomando posse daquela sesmaria recebida, terras que acolhiam o terreno onde hoje se encontra a cidade de Taquaritinga. 

A mudança para o local contou com aproximadamente uma dezena de pessoas, entre Maria, os filhos e os agregados. 

O apelido de “capa preta” vem do costume que Maria Francisca tinha em realizar as suas andanças usando uma capa preta, talvez presente da Imperatriz. Por usar essa capa em qualquer tempo, sob sol ou chuva, recebeu o tal apelido, que acabou acompanhando os seus descendentes, que ficaram conhecidos como os Capa Preta. 

Se instalando bem próximo de um rio, Maria Francisca passou a cultivar diversas culturas, além da criação de gado e porcos, que se reproduziam no local. Pela grande quantidade de porcos que se concentrava na beira do rio, o local ficou conhecido como Ribeirão dos Porcos.  

Falecimento  

Maria Francisca de Jesus Castilho faleceu em 7 de janeiro de 1933 e está enterrada no cemitério de Ururaí, distrito de Santa Adélia. O cemitério é pequeno, contando apenas com o túmulo de Maria e mais cinco, pois o restante do local só está sinalizado por cruzes. 

No ano de 1996, em comemoração ao aniversário da cidade de Santa Adélia, esteve na cidade o Príncipe Imperial do Brasil, Dom Bertrand de Orleans e Bragança para participar das comemorações e prestar homenagem à Maria Francisca de Jesus Castilho, se dirigindo até o cemitério de Ururaí, deixando uma coroa de flores no túmulo de Maria. 

Fonte de Pesquisa:  

 - Livro Santa Adélia além de seus 90 anos, de Patrícia Silva Ferreira Santos.  

 

 

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D. Pedro II quando criança: perdeu a mãe muito cedo, quando contava com pouco mais de um ano de idade. Foi o último imperador do Brasil, sendo retirado do poder por consequência da Proclamação da República, em 1889  

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Quando deu à luz ao futuro D. Pedro II, Dona Leopoldina estava doente e muito fraca, o que impossibilitou a amamentação. Imperatriz faleceu pouco tempo depois  

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Mesmo sendo escravas, as amas de leite tinham um prestígio maior dentro da casa de seus senhores. Isso é possível observar nas fotos antigas, onde muitas das escravas utilizavam belíssimas roupas, muitas vezes de sua senhora, para tirarem fotos, que eram guardadas nos álbuns de família  

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Túmulo onde está enterrada Maria Francisca de Jesus Castilho, no distrito de Ururaí. É um dos mais belos túmulos do pequeno local

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.