Almanaques de Farmácia

Nasci e cresci em Andradina. Muito antes do computador, da internet e do celular. Adquirir informação não era algo tão simples. Mas se tinha alguma coisa que me proporcionava imensa satisfação era a chegada dos almanaques de farmácia. Eu sempre morei em frente à farmácia Moderna, do tio João Miguel. Ele, carinhosamente separava um para mim todos os anos. Eu os lia avidamente quando chegavam. E os relia ao longo do ano.

Eles traziam diversas informações sobre saúde, culinária, calendário de pesca, frutas, hortaliças e legumes de cada época do ano, piadas, charadas, passatempos, conselhos, receitas e dicas culinárias, dados históricos e é claro, propaganda dos remédios do laboratório, que ainda existem em sua maioria. São verdadeiros clássicos da farmacopeia nacional (Biotônico Fontoura e Emulsão Scott).

Recentemente, tive em mãos um exemplar original. Pesquisei a história deles. Originaram-se na Europa, durante o século XV. Tinham por finalidade instruir os poucos leitores sobre festas santas, feriados, calendário lunar e religioso. Sempre foram acolhidos pela cultura popular, ainda que no Brasil tivesse uma história bem peculiar. Surgiram no século XVIII. Chamavam-se Almanaque das Cidades. Em 1890, Machado de Assis (1839 – 1908) escreveu um conto chamado “Como se inventaram os Almanaques”, enfatizando a eficácia de um meio de informação diferenciado e diversificado. Nesse mesmo período, os almanaques de farmácia passaram a ser um poderoso meio de comunicação. Tais publicações contaram com as propagandas para disseminação de noções de profilaxia e educação sanitária, visando à construção da nova nação republicana, bem como do novo cidadão brasileiro.

Assim, o projeto republicano de progresso da nação é impresso nos almanaques de farmácia e visualizado a partir de várias propagandas, como é o caso, por exemplo, do lavrador do campo, enfermo pela anemia e ancilostomose (“amarelão”) e personificado pela personagem de Jeca Tatu, de Monteiro Lobato (1882 – 1948). Aliás, Lobato era amigo pessoal do farmacêutico Cândido Fontoura (1885 – 1974) e foi o primeiro redator dos famosos Almanaques Fontoura. Estes, foram editados de 1920 até 1988.

Na primeira metade do século XX, o Brasil era essencialmente rural. Os almanaques eram uma das poucas, senão a única fonte de informação da população do campo. Foi uma das formas encontradas para propagar valores relacionados ao ideal de progresso da nação, com personagens que representavam valores éticos, morais, sociais e signos, como saúde, beleza e felicidade, idealizando assim o cidadão brasileiro, que continua em constante construção. Não costumo ser saudosista. Mas com o almanaque em mãos, voltei 50 anos no tempo. Só me recuso a encarar a Emulsão Scott. Quem já tomou, sabe o por quê!

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.