Além da Paternidade

Ser pai é, formalmente, gerar um filho, o que não é intrínseca e necessariamente, uma coisa boa. Fazer um filho pode ser, ao contrário, uma coisa bem ruim, como quando por exemplo a gravidez decorre apenas da prática sexual irresponsável, como é tão comum acontecer.

A ideia de que fazer filhos é algo como o cumprimento de uma missão sagrada é uma mentira, se não houver amor. Não o amor pequeno e material do apego decorrente das ideias de propriedade, posse, controle e vaidade, mas o amor em sua acepção mais profunda, que é o compromisso de atuar pela felicidade daquele que é amado.  

Ser pai e mãe não é uma condição que por si só melhora a pessoa, santificando-a. Ninguém se torna melhor em razão da conjunção carnal que resulta em gravidez. O que realmente tem o potencial de tornar a existência mais significativa e preciosa é a alma da paternidade e da maternidade: o exercício do verdadeiro amor, de forma dedicada e responsável.  

A paternidade, assim como a maternidade, pode ser algo muito maior do que amar aquele filho que se gerou. É tão possível quanto necessário (e maravilhoso) quando acontece de um coração se abrir para amar o próximo como se fosse um filho. É esse o despertar de uma consciência desapegada de valores menores como sangue, hereditariedade e sobrenome, de uma consciência que reconhece que o que realmente nos une essencialmente é a nossa condição comum de ser humanos.  

Que o amor entre pais e filhos seja sempre reverenciado como um pilar que sustenta a humanidade. Mas que possamos, corajosamente dar um passo além, para enxergar, compreender, sentir e assumir o nosso parentesco com o próximo (quem quer que ele seja, como quer que ele seja, onde quer que ele esteja!), e assim amá-lo como se ele fosse o nosso pai ou o nosso filho.

Autor

Wagner Ramos de Quadros
É presidente da ARCOS e articulista de O Regional.