A vida na janela

Houve um tempo de janelas corajosas. Sem medo, abriam-se para as calçadas querendo conversar. Cotovelo no batente, queixo nas mãos, qualquer moça, bonita ou feia, podia nela debruçar. Depois, querendo, era flertar e namorar. E se tal não acontecia, podia longamente prosear. Janela gosta de conversa fiada sem pressa de acabar. A Januária, do Chico, enfeitiçou tanto na janela, que o mar fez maré cheia pra chegar mais perto dela. Esse tempo sem medo é do mesmo tempo daquela gente humilde que esparramava cadeiras nas calçadas. Vizinhos tricotavam a vidinha em diária comunhão. Crianças jogavam amarelinha, outras rodavam pião, groselha, bolo de fubá, pipoca, doce de mamão...

Hoje as janelas são medrosas. Medo do bandido que do nada pode chegar. Roubar, ferir, matar. Estão assustadas, traumatizadas e, como o seguro morreu de caduco, o melhor é se trancar e com mais ninguém falar. Escondidas, as janelas se protegem atrás de muros, mais do que muros, verdadeiras muralhas, com cerca farpada, fios de choque, câmeras vigilantes e latidos de pit bull. Mas isso, só em casa endinheirada, que em casa sem comida tijolo é luxo, não dá pra pagar.

Há janelas diferentes que nunca se abrem. Janelas gradeadas de ver o sol nascer quadrado. Enjaulados e excluídos, esses bandidos, sobretudo negros e pobres, disputam tímida réstia de sol que a janela da cela filtrou. Nessas jaulas, a esperança e o ódio costumam revezar.

Janelas têm irmãs. São as portas. Na vida, outra coisa não fazem, senão abrir e fechar. Abrem com a cara bonita da visita ou com a boa notícia ou energia que ela pode trazer. Fecham-se abruptamente quando a cara inimiga perigosamente se aproxima. Muita gente já bateu a cara na porta. Na janela, ninguém. Não sendo o marginal, por ela não se deve entrar. Existem janelas de ficar, outras são de a gente levar. Em ônibus, por exemplo, estando o corpo afivelado ao banco, a mente se solta e se põe a vaguear. Então pela janela desfilam placas de direção, pastos, bois, matas, cidades... Distância longa em relógio preguiçoso gera logo irritação. Como demora o destino final! Quem sabe na rodoviária, alguém com o peito cheio da amor esteja a esperar.

Abertas e arejadas, são alegres as janelas que o sol todos os dias vem beijar. Fechadas, as cortinas empoeiradas, que triste são as janelas. A casa escurece, a voz emudece e com a vida não mais quer namorar. Depois a porta se fecha, ninguém mais entra, ninguém saí. Todavia, a chave continua na porta e a janela, sendo um buraco de esperança, sabe a luz esperar. Quem sabe?

 

Roberto Magalhães

Professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais

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Colaboradores
Artigos de colaboradores e leitores de O Regional.