A pipoca e o piruá

Há 65 milhões de anos, um asteroide caiu no Golfo do México e provocou a extinção em massa dos dinossauros terrestres e marinhos, que dominavam o planeta. As alterações climáticas fizeram com que sobrevivessem os animais e plantas que melhor se adaptassem. Os mamíferos, nesta época, não mediam mais do que 30 centímetros. Multiplicaram-se, tomaram o planeta e um deles, o “bicho homem”, surgido muito tempo depois, dominou a Terra. A mudança veio por um fator externo e foi abrupta e inevitável. 

A Idade Média foi um período da história ocidental marcada pelo atraso cultural e científico. Podem citar uma ou outra contribuição para a evolução da humanidade, mas o saldo é bem negativo. Frequentemente atribuem-lhe o epiteto de “Idade das Trevas”. O feudalismo era a base econômica deste período. O feudo era uma extensão territorial dominada por um senhor feudal que explorava economicamente aquela gleba e os que nela habitavam. Eram os suseranos e os vassalos. Havia pouca mobilidade social. A Peste dizimou praticamente um terço da população europeia. O desenvolvimento do comércio e o crescimento das cidades provocou o fim do feudalismo, a ascensão da burguesia e o declínio do clero e da nobreza. A mudança foi lenta e resultou tanto de fatores internos quanto externos. 

Quando Martinho Lutero afixou suas 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, não tinha a menor pretensão de provocar a Reforma. Não queria afrontar o Papa. Pretendia apenas que a igreja da época corrigisse seu rumo. Lutero e seus contemporâneos nunca poderiam imaginar o que veio depois. A mudança foi involuntária e imperceptível para quem a provocou. 

Poderia citar muitos exemplos do fim de uma era e o início de outra. Quando o automóvel surgiu, era mais lento que os cavalos. Isto provocava muita chacota e depreciação da novidade. Imaginem quando surgiu o cinema “falado”. Os adeptos do cinema mudo resistiram à mudança. Da mesma forma, quando surgiu a televisão, muitos adeptos do rádio resistiram também. O telefone celular, que ao longo do tempo adquiriu múltiplas funções, praticamente extinguiu os telefones fixos. Aqui, as mudanças, foram produto de uma evolução tecnológica. 

As grandes mudanças acontecem quando passamos pelo fogo. O milho, quando submetido ao calor extremo, explode e sua dureza original se converte em massa mole. Mas se não passar pelo fogo, não se altera. Entretanto, uma parcela do milho não sofrerá alterações, independente do fogo. É o piruá. É o milho que continuará do mesmo jeito, preso a uma casca dura, sem se alterar em nada. Não servirá como semente e nem como alimento. Apenas será indigesto e infértil. A vida constantemente nos expõe a muitos fogos. Nos transformarmos numa agradável pipoca ou continuarmos piruá é uma questão de escolha. 

 

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.