A Menina que Roubava Sonhos

Manifestações nas ruas de São Paulo, Brasil, ano de 2013. Pedras voavam de um lado para o outro, levando consigo sonhos de milhares de jovens – por um país melhor, pela honestidade na política, por uma cidade mais desenvolvida, uma vida justa…  

Em meio ao caos e à multidão, uma menina se esgueirava e surrupiava os sonhos mais atrativos para sua rotina insossa. Ela não poderia perder essa oportunidade. Afinal, eram tantos sonhos voando soltos, sem gaiolas, sem limites. Eram encantadores!  

Por isso que a menina que roubava sonhos se uniu àquela massa de almas esperançosas. Somente por isso que ela saiu de casa, naquela semana de manifestações febris, para apoderar-se de sonhos que não tinham passado, ainda, pela sua mente.  

Foi por esse motivo que ela pegou pedras e as lançou, com força, para o mais longe que conseguiu. Queria apanhar sonhos inalcançáveis para suas fragilizadas esperanças, já limitadas por muros invisíveis do gueto em que se criou e aprendeu a viver. 

Ela não era exatamente uma ladra, pois um sonho pode ser sonhado em conjunto. Nem sempre é necessário sonhar só. Até dizem que “sonho sonhado junto é realidade”. Ou pode vir a ser. E o que mais havia, naquela multidão, eram sonhos coletivos. 

Tais desejos não surgiram da noite para o dia, estiveram sempre ali – na mente daquela menina e de outros tantos jovens que saíram às ruas. Faltava apenas, talvez, a disposição para ir à luta, conclamar companheiros, pegar faixas e protestar.  

Tudo isso em nome de sonhos, ideais, esperanças. Era esse, também, o caso da menina que roubava sonhos. A diferença é que ela queria compartilhar sonhos – apanhar os dos outros e, quem sabe, dividir os seus. Na multidão, isso não era incomum.  

Entretanto, em um dos manifestos, sua atitude chamou a atenção de um policial mais atento. Não bastavam os “vândalos” em meio àquela galera toda – pensava ele – ainda tinha uma criminosa? Onde já se viu roubar sonhos dos outros? É o fim!  

Apesar das suspeitas, ela não foi presa. Aquele homem da lei certamente tinha mais com que se preocupar em meio a tantos revolucionários e descontentes naquela multidão. Além do mais, a prisão seria injusta: partilhar sonhos certamente não é crime.  

Passado o período de maior agitação, com poucos manifestos em andamento no país, a menina que roubava sonhos foi, enfim, colocar na balança os sonhos que agora tinha em mãos.  

Queria ver quais conseguiria concretizar, traçar prioridades. Mas logo foi obrigada à voltar à rotina. Guardar quase todos os sonhos nos lugares mais profundos de sua mente e esperar. 

Precisaria aguardar, ansiosa, a hora certa para usá-los – ou desfrutá-los. A vida não podia esperar tantas reflexões. Os dias passavam rápidos e ela precisava, literalmente, ganhar a vida. 

*** 

Despertador tocando na madrugada, café preto, frio, fome e um trem lotado por um trabalho insalubre e só alguns tostões miseráveis ao final do mês. A menina que roubava sonhos passou a usá-los para sonhar com uma vida melhor e mais feliz.  

Mas, dia após dia, seus sonhos foram sendo silenciosamente roubados. Sem sonhos a roubar para repor os que perdia, suas esperanças foram se esvaindo. Inerte, cumpria aquela rotina sem graça, todos os dias, sem saber como mudar seu futuro.  

Alguns apontavam o governo, outros diziam que o “sistema” era o culpado. A menina que roubava sonhos nunca conseguiu saber o verdadeiro responsável. “A vida é assim”, enganava-se. Afinal, no país onde ela vive, sonhos desaparecem diariamente. 

 

Autor

Guilherme Gandini
Editor-chefe de O Regional.