A Menina que Amava Demais

Era uma vez, numa metrópole distante, uma menina que amava demais. Amava a si mesma, parentes, animais, objetos, amigos, conhecidos e até, pasmem, desconhecidos. Queria resolver os problemas de todo mundo. Sofria com isso. Sofria por eles.  

Quanto mais amava os outros, mais seu coração aumentava de tamanho. Era muito amor para aquele pequeno receptáculo. E quanto mais amava – e mais enchia o peito –, mais ouvia aquele tum-tum. A cada dia que passava, o som ficava mais alto.  

Morando sozinha num gélido apartamento na área central, rodeado por inúmeros outros de igual espécie, raramente desabafava. Faltava-lhe a companhia ideal. Estava no meio de tanta gente, mas se sentia sozinha. Era somente ela e aquele tum-tum, tum-tum. 

Ao caminhar pelas ruas, sofria com o sofrimento alheio. Ao assistir aos telejornais, chorava com as notícias. Mortes, roubos, drogas, estupros, pedofilia, corrupção. Pranto. Sentia tudo intensamente, como se fosse com ela. Pior: nada podia fazer por ninguém.  

Com o passar do tempo, aquelas batidas ficaram ensurdecedoras. Talvez não para os vizinhos, que raramente se incomodavam com qualquer um a sua volta. Mas ela, tadinha, não sabia o que fazer. Era tão alto! Não conseguia ouvir seus próprios pensamentos. 

Tum-tum, tum-tum. Cada vez mais alto. Ninguém se importava. Como poderiam não ser importar? Indignava-se. Tum-tum, tum-tum. Ela via o sofrer nos olhos dos outros, não precisava de um barulho assim para tentar ajudar. Tum-tum, tum-tum. Ela, ninguém ajudava.  

Tentou ajudar mais os outros. Não adiantava. Tum-tum, tum-tum. Aquilo continuava. Tum-tum, tum-tum. Não ouvia o que pensava. Não pensava em si. Tum-tum, tum-tum. Não pensava. Chegou à sacada. Ajudem! Ninguém se importava. Tum-tum. Silêncio.

Autor

Guilherme Gandini
Editor-chefe de O Regional.