A melhor de todas

Há 50 anos, Tom Jobim lançava o LP “Matita Perê”. O disco foi gravado em Nova Iorque, depois de ter sido recusado no Brasil. A música título do disco durava oito minutos, tempo excessivo para se tocar nas rádios. Mas este LP trazia “Águas de março” (1972), música que daria um novo rumo na carreira de Tom Jobim.

Há tempos que Jobim não estava numa fase boa. Estava na “fossa”. Bebia muito. O médico havia dito que ele morreria de cirrose. “É um resto de toco, é um pouco sozinho”. Este seria o “fim do caminho”. Tinha a sensação de que ninguém mais ouvia suas músicas. Dizia que temia encerrar a carreira aos 80 anos, cantando “Garota de Ipanema” (1962) num circo do interior e sendo vaiado. Havia sido detido no ano anterior por ter assinado um manifesto contra a censura. Foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Por outro lado, boa parte da classe artística o pressionava para que ele compusesse “música engajada”, algo que não fazia parte do seu repertório onde cantava música romântica, o amor, a mulher. O resultado desta pressão toda foi seu isolamento num sítio no município carioca de São José do Vale do Rio Preto.

Alojou-se numa casinha de pau-a-pique à beira de um rio, enquanto construía a casa principal na propriedade rural. Paus e pedras rolavam então na obra que atormentava Tom, com movimento constante de operários e caminhões. Foi quando rabiscou num papel de pão: “É pau, é pedra, é o fim do caminho...”. Quando chovia, os veículos encalhavam na estrada. “É o carro enguiçado, é a lama, é a lama”. A letra misturava elementos da natureza, do cotidiano no sítio e cenas de sua vida pessoal. Foi concluída no Rio de Janeiro. Antes do LP, foi lançada num encarte do jornal “O Pasquim” que trazia no lado B uma canção do desconhecido cantor João Bosco.

Tem um livro, “Três Canções de Tom Jobim” (Editora Cosac Naify, 2004), autoria de Lorenzo Mammí, Arthur Nestrovski e Luiz Tatit, onde consta a seguinte análise deste clássico: “sua letra é estruturada em um único verbo (ser), conjugado na terceira pessoa do singular no presente do indicativo em praticamente todos os versos – exceto no refrão, transformado em plural (“são as águas de março”). Há uma constante alternância entre versos considerados otimistas e pessimistas, além do uso de antítese (“vida”, “sol” / “morte”, “noite”), pleonasmo (“vento ventando”), paronomásia (“ponta” / “ponto” / “conto” / “conta”). Sua letra tem caráter pouco narrativo e fortemente imagético.”

Consta na versão americana do LP a faixa “Waters of March”, com letra diferente da original. No ano seguinte (1974), Jobim regravaria “Águas de março” com Elis Regina. Sem dúvida, “Matita Perê” entrou para a história da música nacional, trazendo esta que já foi eleita como a melhor canção brasileira de todos os tempos.

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.