A mão que toca o violão

Na semana passada, o cantor, compositor e instrumentista Marcos Valle fez 80 anos. É um artista com uma trajetória muito interessante. A história dele ficaria incompleta sem o seu irmão mais velho, Paulo Sérgio Valle. Quase toda sua obra foi feita com ele.

Marcos Valle formou-se em piano clássico aos 13 anos. Começou a carreira artística aos 18 anos, num trio composto por ele, Edu Lobo e Dori Caymmi. É considerado como sendo da segunda geração da bossa nova. Gravou seu primeiro disco aos 20 anos, em 1963. Largou o segundo ano de direito na PUC do Rio de Janeiro. Em 1966 seu primeiro sucesso: “Samba de verão”. A canção atingiu o segundo lugar nas paradas estadunidenses e teve 80 gravações lá. Depois compôs “Preciso aprender a ser só” (1965). Em 1968, lançou a canção de protesto “Viola enluarada”.

Curiosamente, ele que é branco, loiro, descendente de alemães e um “bem nascido” da elite carioca, compôs a canção “Black is beautiful” (1971), que transformou o cantor num dos líderes da causa negra no Brasil. Com o declínio da Bossa Nova, tomou outros rumos em sua carreira. Começou a produzir trilhas sonoras de novelas. As principais foram “Selva de Pedra” (1972) e “Os ossos do barão” (1973). A seguir, fez de tudo na música. Psicodelia e contracultura, heavy metal, jazz, rock progressivo e até música infantil. Por exemplo, a trilha sonora do icônico programa infantil “Vila Sésamo” (1972). É considerado o inventor do “human beatbox”, técnica que imita instrumentos musicais com a voz humana.

Morou 15 anos nos Estados Unidos onde trabalhou com Sarah Vaughan, e Leon Ware, colaborador de Marvin Gaye. Sua obra foi indicada para o prêmio Grammy. De volta ao Brasil em 1980, gravou os sucessos “Estrelar” (1983) e “Bicicleta” (1984). Uma outra curiosidade a respeito de sua carreira é que na década de 1990, suas músicas fizeram muito sucesso nas casas noturnas de Londres, depois no restante da Europa e no Japão. Sua obra começou a ser um sucesso de vendas nestes lugares. Chegou a ganhar de uma revista inglesa o título de “homem do momento”. Mistérios que o próprio artista não consegue explicar: como sua obra circula em lugares e circunstâncias inimagináveis.

Sua canção mais conhecida, parceria com o irmão e Nelson Motta, é a música de fim de ano da Rede Globo, “Um novo tempo” (1971). É aquela do “Hoje, é um novo dia, de um novo tempo, que começou, nesses novos dias, as alegrias, serão de todos...”. A ideia de Boni, o principal executivo da emissora, era fazer um videoclipe naquele ano com todos os artistas do seu elenco. Ficou para sempre.

A música de Marcos Valle é uma mistura de estilos, incluindo bossa nova, samba, MPB e jazz. Ela tornou-se do mundo. Transcende o Brasil. São 29 discos e mais de 60 anos de carreira bem produtivos. Parabéns!

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.