A lenda e os muitos fatos

Ano de eleição demanda muita calma e atenção ao que se lê, ao que se ouve e ao que se assiste. Aconteceu comigo algo curioso estes dias. Recebi no Whatsapp um filminho, curto, menos de um minuto de duração. Ele mostra a ação de algumas pessoas derrubando uma torre de energia. Colaram em cima do filme algumas legendas e a voz de um locutor que dizia: “se votar no candidato A, é o que vai acontecer”.

Dias depois, recebi o mesmo filme, só que com legendas diferentes e um outro locutor que dizia algo como “se votar no candidato B, a baderna virará rotina”. Curioso, procurei o fato na internet e o achei. Não estava relacionado nem aos correligionários do candidato A e nem aos do candidato B. Os que derrubaram a torre tinham motivações puramente econômicas e não políticas. Nada a ver com candidatos e eleições. 

Lembrei-me de um fato curioso da eleição de 2018. Um famoso noticiário fez uma série de entrevistas com os principais candidatos a presidente da república. Recebi no Whatsapp a mesma entrevista editada de duas formas diferentes. Numa delas, as legendas e o locutor diziam: “o candidato foi enquadrado pela jornalista”. No mesmo dia, recebi o mesmo filme onde o locutor e as legendas diziam “a jornalista foi enquadrada pelo candidato”. Chamou-me a atenção que os filmes eram literalmente os mesmos. A mesmíssima cena interpretada de forma diametralmente oposta, conforme as conveniências e as convicções de quem assistia. 

A verdade reside muito mais no que a pessoa quer acreditar do que nos fatos. Eu, sinceramente, nunca vi debates eleitorais mudarem votos. Talvez lá na década de 1980, quando surgiram os primeiros debates no Brasil, onde eram mais espontâneos, sem todo o aparato que cerca um candidato hoje. Marcava-se o dia, os candidatos batiam um papo com a assessoria e iam lá no debate, de cara limpa, perguntar e responder tudo na bucha, sem meias palavras. Era divertido e de vez em quando, até instrutivo. Hoje, esta realidade mudou muito. Os candidatos fazem treinamentos exaustivos. Quando perguntados sobre um determinado assunto, se o questionamento for inconveniente, respondem sobre outro tema que não tem nada a ver com a pergunta. Debates servem apenas para a equipe de comunicação editar imagens para soltar na internet e no programa eleitoral. Mais nada. 

Com a proximidade das campanhas eleitorais e das eleições, este fenômeno deve piorar. São muitos candidatos e muitos interesses em jogo. Os filminhos devem se multiplicar exponencialmente. As inverdades também. Servirão de combustível para brigas e discussões inócuas em grupos de WhatsApp, Instagram e Facebook. Ninguém mudará o voto por causa de um filme que se pretende “esclarecedor da verdade”. 

Não briguem com seus amigos e familiares. Garanto-lhes que não vale a pena!

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.