A inveja e o amor

Na psicanálise, a inveja é concebida como um sentimento complexo e de raiz profunda que se inicia na infância, e se sustenta nas relações que construímos com o outro.

Melanie Klein foi uma importante psicanalista que estudou o desenvolvimento infantil, e para ela, a inveja poderia levar o indivíduo a impulsos destrutivos em relação ao objeto invejado, buscando danificá-lo ou destruí-lo para aliviar a dor da própria falta, ligado ao sentimento de desamparo e uma dificuldade em lidar com a frustração.

Desejamos desde que nascemos, às vezes “algo” que calculamos ser fruto da própria necessidade, quase sempre desarticulado da percepção do próprio eu quando desconhece os próprios desejos constitutivos e destrutivos.

O invejoso está sem a percepção de si, um emergente que vive em busca de reconhecimento a partir da posse do que é do outro, que não entende que mesmo quando possui, o que é do outro nunca lhe pertencerá, mas possuindo, revela sua inveja e suas faltas.

Freud aborda a inveja e o amor como fenômenos interligados, vezes opostos, e enquanto o amor envolve uma idealização do objeto amado, colocando-o num pedestal, a inveja surge da percepção de uma falta ou da comparação com o outro que leva o sujeito a sentimentos de desejo e ressentimento.

O amor, seja de qual maneira se manifestar, quando se enlaça com o outro em busca de construção e não se alimenta do outro, torna-o capaz de entender certas dinâmicas constitutivas da formação do supereu, e suas relações em sociedade, e mesmo quando sente inveja e deseja o que é do outro: ... ideias, bens, etc., tendo a percepção do que é seu e do que é do outro, consegue transformar o sentimento primitivo da inveja em outras formações mais elaboradas e construtivas a ponto de entender sua própria constituição individual.

Freud falava do supereu como representante da moralidade, consciência e ideais internalizados e que funciona como uma espécie de juiz interno que avalia e critica os pensamentos, sentimentos e ações do ego. Lacan falava do supereu como uma força pulsional, obscena e feroz que comanda o sujeito a se deleitar de forma destrutiva, e que opera como uma lei sem sentido que comanda o indivíduo, mesmo que isto o leve a autodestruição.

Os sentimentos de inveja e amor fazem parte da nossa constituição, mas enquanto aquisição do próprio eu, podemos construir o que desejamos, entendendo os desdobramentos das próprias atitudes, onde o desejo é apenas um instrumento que se articula nos diversos campos, percebendo o outro, e não nos colocando no lugar de um fracassado à procura de reconhecimento, incapaz de lidar com próprias frustrações, invejando sem entender que não podemos possuir tudo, mas sendo capaz de aplaudir o sucesso do outro.

Música “Preciso me encontrar”, com Marisa Monte.

 

Foto do Acervo @zogheibclaudia ©

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @zogheibclaudia, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br