A ilusão da economicidade

A busca pela economicidade nos contratos administrativos tornou-se um dos pilares da gestão pública moderna, sustentada pelo princípio da eficiência e pela necessidade de otimizar recursos. No entanto, essa busca nem sempre resulta em economia real. Muitas vezes, o que se vende como uma gestão enxuta e racionalizada se traduz, na prática, em cortes que comprometem a qualidade dos serviços prestados, aumentam custos futuros e geram uma administração pública que gasta mais tentando gastar menos. Essa é a ilusão da economicidade.

No cenário das licitações e contratações públicas, a lógica do menor preço frequentemente prevalece sobre critérios técnicos e qualitativos. Contratos são firmados com base na proposta mais barata, sem uma análise aprofundada da viabilidade da execução nos termos oferecidos. O resultado? Empresas que vencem licitações por valores irreais, assumindo compromissos que, na prática, não podem ser cumpridos sem prejudicar a entrega final. Obras paralisadas, serviços deficientes e necessidade de aditivos contratuais tornam-se consequências inevitáveis de uma política que privilegia o custo imediato sem considerar o custo total.

O efeito cascata desse modelo se reflete na baixa durabilidade das construções e na necessidade constante de reparos. Estruturas mal executadas demandam manutenção frequente, elevando os gastos públicos de maneira invisível no curto prazo, mas devastadora a longo prazo. O que parecia uma economia inicial se transforma em desperdício. Quando um contrato é celebrado sem levar em conta a real complexidade da obra ou serviço, a administração pública se vê refém de novas contratações emergenciais para corrigir falhas previsíveis, reforçando um ciclo de ineficiência disfarçado de austeridade.

Além disso, a cultura da economicidade artificial estimula práticas nocivas ao próprio mercado. Empresas sérias, que precificam seus serviços de maneira responsável, muitas vezes são preteridas em favor de concorrentes que jogam os preços para níveis insustentáveis, confiando que conseguirão renegociar valores ou cortar etapas essenciais da execução. A administração, por sua vez, ao invés de fiscalizar e punir esses desvios, frequentemente se vê obrigada a aceitar aditivos contratuais ou encarar o risco de rescisões que geram mais atrasos e prejuízos.

O problema, porém, não está na economicidade em si, mas na forma distorcida como ela tem sido aplicada. O princípio da eficiência não pode ser reduzido à simples redução de custos imediatos, mas deve ser entendido como a busca pelo melhor resultado possível dentro das limitações orçamentárias. Contratar pelo menor preço deve significar contratar com inteligência, considerando não apenas o valor final, mas a qualidade, o impacto e a durabilidade do serviço prestado.

Enquanto prevalecer a ilusão de que gastar menos significa, por si só, administrar melhor, a administração pública continuará refém de contratos falhos, serviços ineficazes e um orçamento que, ao invés de ser otimizado, será continuamente corroído pela necessidade de refazer o que já deveria ter sido entregue com qualidade desde o início. A economicidade não pode ser uma meta isolada, mas um meio para garantir que o setor público funcione de forma sustentável, responsável e, acima de tudo, eficaz.

Autor

Jaquelini Cristina de Godeis
Advogada. Ex-Assistente Especial da Assembleia Legislativa de São Paulo. Especializada em Direito de Família e Sucessões. Pós-Graduanda em Direito Contratual pela PUC-SP e Mestranda em Direito Público.