A hostilidade de Cordão Escuro (II)

Dando continuidade a matéria da semana passada, no início do século, a população do nascente arraial de Cordão Escuro, hoje cidade de Palmares Paulista, era castigada não só pela malária, mas também pelas muitas incursões de ladrões de cavalos, que costumavam se reunir em São Sebastião do Turvo, depois Irupí, arraial que era conhecido como “La madre de los ladrones de caballos”, porque lá moravam os maiores ladrões de cavalos da região, nos quais de destacava José das Novas, em cuja fazenda, “lugar desgarrado, verdadeiro serradão”, de difícil acesso, os acoitava. Reduzido a vestígios materiais de sua existência, Irupí desapareceu, oficialmente, em 28 de agosto de 1928, com a transferência para Vila Nova, atual Paraíso.

Atormentados pelos roubos constantes de cavalos e muares por quadrilhas organizadas, que acabavam invadindo e pilhando tudo, os proprietários rurais apelaram às autoridades político-administrativas. Uma escolta de captura da Força Pública do Estado, sob a forma de “Coluna Volante” se organizou sob o comando do Alferes João Antônio de Oliveira, o famoso “Tenente Galinha”, que ficou conhecido por sua coragem e valentia no extermínio dos foras-da-lei e até dos pobres ciganos, mas também pela arbitrariedade cometida no exercício do poder policial, dirigindo facínoras fardados, gente da pior espécie, legítimos antecessores dos integrantes dos atuais “esquadrões da morte”. Eram autênticos jagunços viajando em jardineiras, na traseira de um enorme engradado onde depositavam as armas e munições arrecadadas ou confiscadas nas suas batidas dominicais nos arraiais desprevenidos.

Em 1911, o Tenente Galinha, de Vila Adolfo, atual Catanduva, pediu por escrito ao Sub-Delegado de Polícia de Palmares, Juvêncio Barbosa Lima, a prisão de Chico Banhado (Francisco Banhado), casado com uma negra retinta e pai de numerosa prole, que foi denunciado como suposto acoitador de ladrões de cavalos, terminando por desbaratar a quadrilha chefiada por Zé Inácio.

Justiça com as próprias mãos

Apesar das tropelias e dos excessos praticados pelos milicianos, afetando, inclusive, moradores pacatos e honestos, os chefes das quadrilhas fuzilados sumariamente, a região foi ficando livre, pelo progresso, desse banditismo sertanejo.

José Barbosa, em seu livro de crônicas, se refere a um linchamento ocorrido no bairro rural das Águas Claras, em data que não soube precisar, de um preto “baixo, gordo, forte, de fisionomia simpática e de fala mansa”, de procedência ignorada e que respondia pela alcunha de Cana Verde.

Apropriando-se de uma “tapera abandona a beira de um brejo”, instalou-se como sua moradia, freqüentando o arraial, mais especificamente a venda de Cândido Machado, “sempre armado e expondo à cintura enorme garrucha”. Com o decorrer do tempo, passou a molestar as mulheres da vizinhança, atacando-as e estuprando-as.

Em razão da omissão das autoridades policiais, optou-se em “fazer justiça com os próprios recursos”. Cerca de trinta pessoas, certa madrugada, cercaram a tapera e abriram fogo contra o criminoso, que respondeu ao tiroteio até o último cartucho, mas ferindo mortalmente Alvino Pereira Machado. Não querendo se entregar, arriscou sair em disparada em direção ao brejo, ocasião que foi impiedosamente trucidado a golpes de facões e foice, “além de crivarem de balas e chumbos”.

Incêndio

O cronista também nos relata, por volta de 1911, o incêndio da cadeia pública, que “apresentava-se com desusado movimento por ocasião das visitas da famosa escolta de captura do Alferes Galinha”.

O soldado Jerônimo Rodrigues, único militar do destacamento local, auxiliado eventualmente pelo inspetor de quarteirão, Benedito Gonçalves, ausentara-se por um dia a fim de receber seu soldo em Monte Alto, “cavalgando o burrinho de polícia”.

Nesse dia, “apareceu na vila, não se sabe como, nem de onde, um homem demente (...) não era furioso e nem agressor (...) apenas vivia de joelhos, de mãos postas, atitude humilde e suplicante como estivesse rezando, mas sem proferir nenhuma palavra”. Como medida de precaução, foi recolhido à cadeia, mas altas horas da noite, um enorme clarão de fogo tomou conta do prédio, “ouvindo-se o estrondo do madeirame e do telhado que desabaram.”

Como isso aconteceu nunca ninguém soube. Porém, sobreviveu o homem, que removido para Monte Alto, nunca mais se ouviu falar de seu paradeiro.

Assassinatos

Em setembro de 1925, no decorrer de um animado baile, foi degolado à navalha por um desafeto, o jovem Ângelo Marigliano, filho de José e Rosa Marigliano, com apenas vinte e seis anos de idade. Era um moço elegante, sempre vestido de linho branco, que teve suas vestes rubras de sangue naquela noite fatídica.

No período da “Grande Depressão”, provocada pelo crash da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, sendo visível a decadência física da vila de Palmares, um duplo assassinato convulsionou a então sofrida população.

Um próspero sitiante do bairro rural do Laranjal, Atílio Orsi, estaria fazendo a corte à exuberante, extrovertida e rotunda italiana, cujo marido mantinha um movimentado bar, no canto extremo da praça do jardim, onde corria solto o jogo de carteado. O marido enciumado descarregou-lhe a carga de seu revólver, apenas um dos projéteis ricocheteado o atingiu de raspão. Ferido na região lombar, mas sem gravidade, foi socorrido pelo médico da ocasião que, furioso, arrancou um pedaço da porta da residência do médico em questão.

Outra morte ocorrida nos tempos iniciais de Palmares Paulista foi a de dois guardas noturnos: Joaquim Costa e João Quintana, friamente assassinado por Roberto Orsi, irmão mais novo de Atílio, que, com seu empregado Latorraca, teria ido à vila para a vingança pessoal, mas com a suposta desculpa da cobrança de dívida de jogo no malfadado bar. Embalado pelo seu filho José, num dos canteiros do jardim, chegou a morte ao infeliz Joaquim Costa, deixando numerosa família em desamparo.

João Quintana, mais moço e ainda solteiro, com um tiro no peito ainda resistiu, para morrer também algumas horas depois.

Latorraca, levado a júri, foi absolvido, mas o único culpado, Roberto Orsi, não cumpriu pena. Foragido da justiça, só apareceu após sua prescrição. Na verdade, nunca mais se ouviu falar deles, permanecendo nas memórias dos primeiros habitantes e na falta de dois inocentes guardas, vitimados pela violência urbana, traço comum das cidades mais populosas e mais civilizadas.

Para finalizar essa onda de casos brutais, ainda cito o tiroteio travado entre o sub-delegado de polícia, Joaquim Procópio (Joaquim Brantis) e o facínora Zeca Ico Seco, foragido da justiça e muito temido na região.

O bandido retornou, inesperadamente, a vila para se vingar das torturas sofridas na cadeia pública local. Sem vítimas, o “xerife”, que era um destemido guardião da lei, que veio a falecer precocemente com seus 45 anos de idade em 1948, só descansou quando soube do assassinato do famigerado bandido por um tranqüilo e rústico agricultor, num ônibus inter-municipal, na cidade de Itajobi.

Fonte de Pesquisa:

 - Livro “A História de Catanduva de A a Z”, de Vicente Celso Quaglia.

 - Livro “Sombras do Passado – Historiografia de uma Cidade”, de Vicente Celso Quaglia.

Fotos:

Livro “Eu Sou a Lei”, de autoria de Adherbal Oliveira Figueiredo, de 1965, narra as atividades do Tenente Galinha, o “caçador de homens”. Ainda é possível encontrar exemplares em alguns sebos de livros.

Cordão Escuro, hoje cidade de Palmares Paulista, era castigada não só pela malária, mas também pelas muitas incursões de ladrões de cavalos, no início do século XX, que costumavam se reunir em São Sebastião do Turvo, depois Irupí, e hoje Paraíso, arraial que era conhecido como “La madre de los ladrones de caballos”, porque lá moravam os maiores ladrões de cavalos da região.

Alferes João Antônio de Oliveira, o famoso “Tenente Galinha”, que ficou conhecido por sua coragem e valentia no extermínio dos foras-da-lei e até dos pobres ciganos, mas também pela arbitrariedade cometida no exercício do poder policial, dirigindo facínoras fardados, gente da pior espécie, legítimos antecessores dos integrantes dos atuais “esquadrões da morte”

Livro “Cordão Escuro”, escrito em 1979 pelo Sr. José Barbosa, é um dos poucos livros que retrata a história de Palmares Paulista, antigo Cordão Escuro

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.