A fúria do ribeirão São Domingos

Quando falamos de carnaval em Catanduva, sempre vem à cabeça ótimas imagens, festas magníficas, foliões se esbaldando nas ruas e nos salões, desfiles, escolas de samba, ou seja, um ritmo de alegria e um espírito contagiante de festa e diversão.

Infelizmente, em um dos carnavais de nossa cidade, a festa acabou dando lugar para uma tragédia, que resultou na morte de seis pessoas.

O ano era 1965, tempo em que eram comuns as cheias do rio São Domingos, que bastava dar uma chuva mais pesada, e o ribeirão já transbordava para fora de seu leito, alagando inúmeras casas e estabelecimentos comerciais e industriais.

Na última semana de fevereiro, mais precisamente na madrugada do dia 23 para o dia 24, uma chuva forte caiu na cidade, o que fez, mais uma vez, o rio São Domingos voltar a transbordar, dessa vez com uma enchente relâmpago, inundando totalmente a parte compreendida entre a rua Paraíba e XV de Novembro, além de todo o Parque das Américas.

Com o decorrer dos dias, a chuva continuou, mas foi no sábado, dia 27, que houve um aumento da chuva considerável, já que chovia praticamente sem parar.

As águas do São Domingos começaram a subir por volta das 13 horas, sendo que de hora em hora seu volume aumentava assustadoramente, podendo prever-se que, caso as chuvas não parassem, a cheia poderia provocar situações ainda mais desastrosas.

Caiu a ponte

Como a chuva não parava de cair, o rio São Domingos mais uma vez voltou a transbordar, trazendo mais prejuízos para a população que tinha residências ou estabelecimentos próximos ao rio. Suas águas furiosas invadiram tudo – casas comerciais, residências, mercados, parques, cobrindo uma área de quase 15.000 metros quadrados em plena cidade – destruindo mercadorias, mantimentos, e abalando ainda mais seriamente o fornecimento de água à população. Os bairros Higienópolis e São Francisco ficaram totalmente isolados entre si e de todo o resto da cidade.

Quando a enchente do ribeirão São Domingos, na noite de sábado atingiu o seu clímax, a única ponte que dava ligação aos bairros Higienópolis e São Francisco, situada à rua São Paulo, próxima ao prédio onde funcionava os Armazéns Gerais Ureca S/A,  sofreu um abalo em um de seus lados, motivado pelo deslocamento de terra, abrindo-se então uma enorme fenda.

O transito naquele ponto era intenso e permitia a passagem de apenas um veículo por vez. Foi quando o caminhão de marca Fargo, dirigido por Clecio Ronchi, que transportava para o salão de baile do Clube Cruzeiro do Sul, vários elementos daquela escola de samba, teve uma de suas rodas traseiras desviada e atingindo a fenda, sofreu tremendo impacto, lançando nas águas do rio alguns de seus passageiros. Uns, com mais sorte, conseguiram salvar-se e outros não resistindo a força das águas, afundaram para não mais voltar, pois ficaram presos entre as paredes da ponte e o que restava do aterro, vindo este a cair logo em seguida.

A tragédia

Quando o povo começava a vibrar com o Carnaval de 1965, que mais uma vez prometia ser um dos melhores, a cidade foi abalada pelo acidente brutal da madrugada de domingo, justamente quando o povo corria na rua para afogar as tristezas.

Ao saber do acidente, centenas de pessoas compareceram ao local, assim como as autoridades policiais de Catanduva, Dr. Emílio Poloni, delegado e Sr. Angelo Lorenzini, 1º suplente deste posto.

Constatado haver várias pessoas sobre a carroceria do caminhão, logo no domingo pela manhã, iniciaram-se as escavações no local, por parte de populares e operários da prefeitura local. À tarde, duas viaturas da Polícia Técnica e um carro do Corpo de Bombeiros de São José do Rio Preto vieram ajudar a bater o ribeirão. Até as 16 horas, foram retirados cinco corpos que jaziam debaixo da água, na fenda aberta do lado da ponte. Eram eles: Maria Aparecida Soares, 30 anos, solteira; Josefa Rodrigues, 18 anos, solteira; Luzia de Almeida, 20 anos, solteira; Batista Soares, 35 anos, casado, residente na Fazenda São José das Borboletas; e mais Izabel Tal, mais conhecida como Izabel Benzedeira, residente no alto da Vila Celso, na Chácara Jorge. Apenas duas pessoas conseguiram salvar-se de morte daquelas que se encontravam no caminhão: Alice dos Santos e Mariano Ferraz, que então se encontrava embriagado.

Durante toda a segunda-feira, com o abaixamento do nível das águas, trabalhadores da prefeitura municipal escavaram o local, em busca de novos corpos, porém, não encontraram mais ninguém.

Às primeiras horas do dia 03 de março, pescadores viram boiar e retiraram o corpo de João Zeferino, vulgo João Batuqueiro, 27 anos, solteiro, lavrador nas proximidades do Matadouro Municipal.

Em sinal de luto, a Escola de Samba Cruzeiro do Sul não desfilou nos dias de Carnaval, pois que João Batuqueiro e outros do caminhão pertenciam a seu grupo de batedores e cabrochas.

De acordo com a revista “A Feiticeira”, de janeiro/fevereiro/março de 1965, o estado das famílias era lastimável. “Foi duro e chocante o espetáculo protagonizado pelos familiares daqueles que perderam a vida. O choro convulsivo e o olhar patético pareciam implorar ao ribeirão que lhes roubara os entes queridos, a ressurreição dos mesmos.”

Fonte de Pesquisa:

 - Jornal A Cidade, de 28 de fevereiro de 1965.

 - Revista A Feiticeira, de Janeiro/Fevereiro/Março de 1965.

 - Material pesquisado no acervo do Centro Cultural e Histórico Padre Albino

 

Foto: Para o resgate dos corpos que estavam debaixo d’água, foi preciso o auxílio do Corpo de Bombeiros da cidade de São José do Rio Preto, que na tarde de domingo, já tinham encontrado cinco corpos. A sexta vítima foi encontrada dias depois por um grupo de pescadores

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.