A Dinâmica do Ódio e do Amor

Para Freud, o ódio enquanto relação de objeto é mais antigo que o amor: nos primórdios da origem ele tem sua fonte na recusa do mundo exterior que emite estímulos, recusa que nasce do narcisismo.

Esta frase nos convida a pensar na dinâmica que sustenta a relação amor-ódio, nos fazendo crer que sua contribuição na formação do sujeito dependerá do quanto nos prevalecemos de sua existência inata, abrindo espaço para que em nossas relações deixemos vir à tona a constatação de que não existimos sem o outro.

Na atualidade, as sequelas do isolamento social e facilidade para existirmos em perfil falso, onde a falta de acompanhamento e asseguramento de regras dão margem para o surgimento de amigos ocultos e desconhecidos, quem paga a conta são as famílias, a escola e as crianças enquanto necessitam de pais que estejam acompanhando sua formação, e que deveriam construir a partir de uma convivência ativa e amorosa, regras claras e exemplos ativos e coerentes.

Diante de um cenário caótico que estamos vivenciando, sabemos quanto o anonimato nos permite ser mais agressivos exatamente por não sermos regulados pelo outro, deixando a critério dos desejos, impulsos, destrutividade e agressividade fazerem o que quiser.

Passamos três anos em isolamento social, tendo como companhia uma relação familiar muitas vezes despreparada para uma convivência civilizada e de qualidade, deixando-nos sequelas sem precedentes.

No que diz respeito a educação dos filhos, sabemos que seu percurso imprime desde a gestação quem eles poderão ser, tendo seu auge até os 2 anos e depois até os 6 anos, fase onde suas necessidades deveriam ser atendidas com coerência e sobretudo com preparação e conhecimento.

Winnicott já falava que a falta de holding (cuidado suficientemente bom que favorece a constituição do self do bebê) provoca uma alteração no desenvolvimento e cria uma “casca” (falso self) em extensão do qual o indivíduo cresce, enquanto o “núcleo” (o verdadeiro self) permanece oculto e sem poder se desenvolver. O falso self surge pela incapacidade de quem educa de interpretar as necessidades da criança e traduzi-las em conhecimento e experiência emocional de qualidade.

Em contrapartida, um discurso que passa pelas armas, pelo tratamento da violência pela violência, e pela criação de inimigos ocultos, transgride um comportamento defensivo agressivo que não se atenta às consequências, e estando neste funcionamento, quando a pessoa é oprimida, ela reage.

Desde quando assistimos a violência a qualquer preço em outros países, sabíamos que um dia isto chegaria ao nosso país, e mesmo sendo um prenúncio caótico, cedemos à correnteza, mesmo sabendo que quanto mais terceirizamos a atenção e educação que é função dos pais aos “desconhecidos”, continuaremos a ter consequências desastrosas e devastadoras.

O ponto a se considerar transita num questionamento que vai além de apontarmos culpados.

No meu entender, Winnicott, Freud, Bion, Melanie Klein, Piaget, Vygotsky já nos deram a tanto tempo caminhos que apontam para considerarmos que os filhos que queremos, podem ser aquilo que gostaríamos, se resetarmos muitas coisas que fizemos até aqui, e voltássemos a acreditar e aplicar as regras universais como: dar exemplo, ser mais do que ter, parar para criar os filhos, escutá-los, “perder tempo” com eles, conviver, e sobretudo prestar atenção onde deixamos os filhos quando não queremos renunciar à vida antes de sermos pais.

O estrago quando terceirizamos é muito grande face em renunciar a própria vida pela escolha que fizemos em tê-los.

E no caso do ódio, mesmo que ele venha na bagagem da nossa constituição, dependendo da educação que investimos dar aos filhos, o antídoto do amor poderá ser um recurso não somente para exterminar o ódio, mesmo porque isto é impossível, mas proporcionar uma via com recursos mais elaborados e construtivos que os filhos podem aprender em casa, em idade onde ainda é possível quem sabe se aprender e se ensinar alguma coisa, se lhes dermos exemplos vivos e coerentes, e estarmos atentos a eles.

Esta talvez seja a hipótese que temos como mais provável, o recurso que temos a nossa disposição. Do contrário, os estragos continuarão por aí nos aterrorizando.

Este texto foi escrito ao som da música “Everybody Hurts” com The Corrs.

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br