A arte de ser solitário

CRESCE O CORO DOS DESCONTENTES, DE PESSOAS QUEIXANDO-SE DA SOLIDÃO. ESQUECEM QUE ESTA É UMA CONDIÇÃO PRIMÁRIA DO SER HUMANO E QUE, AINDA ASSIM, É POSSÍVEL SER FELIZ. 

 

A ideia que a maioria das pessoas faz da solidão é de um sentimento doloroso que nos acomete em determinados momentos. Aquela sensação de mal-estar que nos invade na sexta-feira à noite ou no domingo à tarde quando estamos sozinhos em casa, sem programa. Ou é o estado em que um amigo se encontra porque está passando por um período difícil, depois de uma separação. 

Na verdade, a solidão é uma condição imanente ao homem, faz parte da vida. Só que, em certos momentos, a percebemos mais agudamente e não sabemos como lidar com ela. A solidão parece estar longe quando mantemos um relacionamento muito estreito, muito íntimo, com alguém que amamos, com quem temos bastante afinidade e pontos de contato. Mas, cedo ou tarde, chega a hora de encarar a conclusão inevitável: cada um é um. 

Muitas vezes nos percebemos como parte de um todo – de uma família, de um grupo de amigos, de uma comunidade. Mas chegará o ponto em que tomaremos consciência de que a realização pessoal depende das próprias possibilidades. Em suma, por mais que se viva junto de quem se ama, por mais que se interaja socialmente, não será possível evitar, lá no fundo, a certeza de ser só. 

Entender o que é um ser ajuda a compreender a solidão. Ser é tudo aquilo que tem vida. Ao contrário de um objeto inanimado, o homem tem consciência desse ser.  

Com o outro ou em grupo, procuramos suprir as carências e a necessidade de nos sentirmos amados, desejados. 

Mas por estarmos com o outro ou com os outros não deixamos de ser fundamentalmente sós. O curioso é que as pessoas que se queixam de viver muito sós falam como se fosse um problema pessoal, e não uma característica de todos nós. 

Há momentos em que se torna premente procurar o outro, mesmo que o outro seja representado por uma voz desconhecida ao telefone. 

Se a solidão se transforma num processo contínuo e doloroso, pode mesmo culminar em suicídio, um ato de desespero quando não se vê nenhuma outra saída para uma situação insuportável. 

Aparentemente, algumas pessoas convivem muito bem com a solidão. Mas, também neste caso, as aparências podem enganar. Como muitos religiosos que, segundo se costuma pensar, vivem sós e muito felizes, quando nem sempre é assim. 

No outro extremo, posso citar o exemplo de alguém no auge da popularidade, do sucesso, com uma intensa atuação social. A cantora Janis Joplin dizia que, quando cantava no palco, tinha a impressão de estar fazendo amor com os milhares de espectadores da plateia. Só que o show acabava e ela ia dormir sozinha. Chega sempre o momento de ir dormir sozinho, de ficar de cara a cara com o próprio sofrimento, a própria angústia, a própria ansiedade. 

Entrar em contato com a solidão não é fácil. Mas após compreendê-la, ao constatar que cada um é único, com sua própria história, biografia, sua maneira pessoal de procurar sentido para sua vida, também se percebe estar aí a grandeza e a beleza da condição humana. 

Quando o sentimento de solidão ameaça tornar-se aniquilador, quando se transforma numa sensação que aprisiona o coração e a alma, o remédio é ir intensamente encontrar pessoas e situações, mergulhar por inteiro em uma nova numa empreitada. Pode ser pintar um quadro, doar-se num projeto social a assumir uma atuação política duradoura. É preciso sair de si, de alguma forma. 

As várias saídas de si mesmo mostram ao indivíduo que ele não é apenas um ser com sofrimentos, mas também com significado. É o sentido da própria existência que se procura quando se quer chegar a uma realização cada vez maior, quando se quer crescer afetivamente e emocionalmente, contrapondo esses ganhos aos sofrimentos que a vida traz. E nessa busca não receitas nem modelos bons para todos. Até porque a saída muda em cada fase da vida. 

É isso que esse sofrimento inerente ao ser humano tem de positivo. Ele é a mola que nos impulsiona no rumo de outras possibilidades e realizações, ou da construção de novas saídas e alternativas que gerem transformações, não só pessoais, como no mundo. 

  

 

 

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp