A arte de moldar o barro

A chamada Revolução Industrial consistiu, basicamente, em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Iniciado na Inglaterra, em meados do século XVIIII, ganhou corpo no final do século XIX, expandindo-se para o mundo todo, onde o trabalho agrícola foi sendo, paulatinamente, substituído pelo trabalho nas grandes indústrias na cidade e o trabalho manual humano foi sendo trocado pelo uso de máquinas. 

Porém, mesmo capacitados por tal tecnologia nascente, certas técnicas manuais ainda eram muito bem trabalhadas pela população da época, inclusive aqui em Catanduva. E uma dessas técnicas eram a cerâmica. 

Em meados da década de 1940, Catanduva possuía uma cerâmica que se destacava ao se falar em potes, moringas e vasos dos mais variados tipos. Era a chamada Cerâmica São Domingos, de propriedade de Dante Atílio Saloti, Dionízio Lopes e Aurélio Invaldi. Situada na rua Minas Gerais, esquina com rua Piracicaba, a cerâmica, foi, inicialmente do Sr. Átride Guzzoni, pessoa muito boa e dedicada ao trabalho. 

Foi, inclusive, o próprio Sr. Átride Guzzoni quem mandou buscar o Sr. Dante na cidade de Jaboticabal – SP, para que este gerenciasse a cerâmica. Em troca disso, além de seu salário, receberia moradia, água e energia elétrica por conta de seu patrão. 

Mudança 

Nessa época, o Sr. Dionízio Lopes já era funcionário do Sr. Átride, na referida cerâmica. Nascido em 18 de dezembro de 1929, em Monte Alto – SP, veio para o município de Catanduva com aproximadamente 18 anos de idade.  No mesmo período da chegada do Sr. Dante, o Sr. Aurélio Invaldi passou a preencher o quadro de funcionários dessa empresa. 

Decidido a vender o prédio, pois não queria mais manter a cerâmica, já que o terreno era muito grande, o Sr. Átride Guzzoni ofereceu a cerâmica a esses três funcionários, dignos de tal proposta. Porém, por não terem a quantia necessária para a compra, recusaram a oferta. 

Após algumas negociações, o prédio foi vendido para uma família portuguesa de sobrenome Paiva, onde todos os maquinários e matérias-primas foram doados pelo Sr. Átride para os três antigos funcionários. 

Dante, Aurélio e Dionísio alugaram, então, o prédio desta família e continuaram com a produção de vasos, potes e moringas. A cerâmica continuou com o mesmo nome, mas passou a responder como Empresa Saloti, Invaldi e Lopes Ltda. 

Pouco tempo depois, o Sr. Aurélio deixou a sociedade, ficando a cerâmica apenas sob responsabilidade de Dante e Dionízio, sendo o Sr. Olegário Braido o contador da empresa. 

 

Simplicidade 

A cerâmica era simples, modesta, mas muito conhecida em Catanduva e região. O trabalho realizado era todo manual, não existindo formas ou coisas do tipo, exigindo uma habilidade extrema de seus funcionários para a elaboração de filtros, moringas e vasos. Tudo era feito com muito capricho e cuidado. 

A estrutura física da cerâmica consistia em três barracões: o último era o local onde se moldavam as mercadorias; o central era onde ficavam algumas máquinas, todas manuais, como o cilindro, a pipa e a sovadeira (era neste barracão que se preparava o barro); e o barracão da frente, aquele que leva a fachada de Cerâmica São Domingos, destinado à pintura dos produtos e à venda dos produtos no varejo, em uma pequena loja. 

Além dos três barracões, havia ainda o forno a lenha, feito de tijolos de barro, para que este fosse assado. Havia também na cerâmica inúmeros montes de palha de arroz, destinados a protegerem os vasos carregados nos caminhões para as entregas nas cidades vizinhas. Esses montes eram lugares especiais para as crianças que adoravam brincar e aventurar-se sobre eles. O barro branco vinha do Rio Tietê, do Porto Santa Cruz; o barro preto, utilizado para mistura, vinha de fazendas circunvizinhas e de algumas olarias da cidade e da região; e a palha de arroz era comprada de pequenos fazendeiros locais. 

Fechamento 

Após alguns anos, a família portuguesa decidiu colocar o prédio à venda, sendo novamente oferecido para os proprietários da cerâmica. Para isso, eles teriam que levantar algum dinheiro, através de empréstimos, já que não possuíam tal capital. Preocupados em se endividarem e com medo de algum problema não esperado, não aceitaram a proposta. 

Não tendo condições de comprarem o prédio, a cerâmica foi fechada em 20 de dezembro de 1976, mas alguns de seus produtos ainda são encontrados em algumas residências de moradores mais antigos deste município.

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.